Que chatice, lá vou ter de fiscalizar (I)
1. Assim fala o Estado quanto à fiscalização, de quatro em quatro anos, do agir (ou não agir) das federações desportivas.
2. Há um elo que une o Estado às federações desportivas, mediante o qual estas exercem poderes de natureza pública, na lógica de um sistema desportivo caracterizado por uma impactante intervenção pública no desporto federado. Esse instrumento é o denominado estatuto de utilidade pública desportiva (EUPD).
Tal estatuto tem uma dinâmica própria, com fases de vida obrigatórias e outras eventuais, tudo determinado pelo regime jurídico das federações desportivas e do estatuto de utilidade pública desportiva, constante do Decreto-Lei n.º 248 -B/2008, de 31 de Dezembro, diploma legal já objecto de alterações. A vida do estatuto inicia-se, naturalmente, pela sua atribuição, a requerimento da interessada e, perante a constatação de alguma patologia, fruto de omissões ou acções das federações desportivas, o EUPD pode ser suspenso ou cancelado pelo Estado.
Todavia, existe um outro momento necessário (mal, a nosso ver), que é o da renovação. O artigo 24.º do já referido regime jurídico dita no seu n.º1: “No decurso do ano de realização dos Jogos Olímpicos de Verão, deve ser requerida a renovação do estatuto de utilidade pública desportiva pelas federações desportivas nisso interessadas”. Tal significa que, até ao próximo dia 31 de Dezembro, as 60 federações titulares do EUPD têm de requerer tal renovação, segundo um procedimento em tudo semelhante ao que teve lugar no momento da atribuição inicial. Decorridos 90 dias após a formulação do pedido sem que tenha sido proferida decisão, o estatuto de utilidade pública desportiva de que a requerente era titular considera-se automaticamente renovado por outro período de quatro anos. Para operacionalizar este delicado momento do EUPD, todas as federações foram relembradas, pelo Estado.
3. Por outro lado, como tantas entidades, as federações são objecto de diferentes tipos de fiscalização pública (finanças, segurança social, relações laborais, etc.). Todavia, elas contam com uma norma específica, precisamente direccionada para o EUPD. Afirma o 14.º do mesmo regime jurídico: “A fiscalização do exercício de poderes públicos e do cumprimento das regras legais de organização e funcionamento internos das federações desportivas é efectuada, nos termos legais, por parte de serviço ou organismo da Administração Pública com competências na área do desporto, mediante a realização de inquéritos, inspecções, sindicâncias e auditorias externas”.
Ora, o Estado não encara esta fiscalização como um poder-dever permanente, antes aproveitando a fase da renovação para fiscalizar, de quatro em quatro anos, de forma concentrada, particularmente naquilo que para ele é uma obsessão: o cumprimento das regras legais de organização e funcionamento internos das federações desportivas. Aquilo a que "renovadamente" vamos assistir é a um olhar público – nem sempre juridicamente acertado – pelos estatutos e regulamentos federativos – porventura, padecendo alguns desses textos de vícios há já algum tempo. Mas, agora sim. Cumprem-se mais quatro anos e é chegado o tempo de “ir a elas”. De eventuais ilegalidades ou irregularidades, nos primeiros meses de 2025, alcançaremos a legalidade por via da acção do IPDJ.
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