E saem duas novidades de Távora-Varosa

Um branco que explora a casta identitária da região e um espumante de Riesling que é capaz de ser caso raro na Península Ibérica. Távora Varosa tem que se lhe diga.

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Távora-Varosa é uma região que merece ser descoberta Marcos Hehn Pinto da Silva
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Não há conversa sobre Távora-Varosa (TV) que não comece e acabe com a questão da acidez e da frescura seus vinhos – em particular dos vinhos brancos e espumantes. Como a região está tão próxima do Douro e como o Douro também tem vinhas em altitude podemo-nos interrogar sobre a origem de tais diferenças. Ela está - concorda toda a gente - nos solos graníticos e arenosos e nas grandes amplitudes térmicas. Certo, no Douro os dias são muito quentes e as noites frescas, mas, em TV, as temperaturas, no verão, podem cair a pique. Na adega da Murganheira, por exemplo, é muito comum ver, à noite, a malta da adega vestida com polares e a esfregar as mãos – em Agosto.

Estas amplitudes térmicas acentuadas são responsáveis por uvas com uma relação entre acidez total e pH que impressionam muitos produtores emproados de Champagne, relação esta que vai dar origem a vinhos naturalmente frescos (não precisam de correcções químicas) e, cereja em cima do bolo, com excelente capacidade de evolução em garrafa.

Se, em média, e em matéria de brancos de topo, só gostamos de abrir garrafas 5 anos depois da colheita, no caso dos vinhos de TV, 5 anos pode ser pouco. Quando se trata de um vinho de TV, o tempo de garrafa é um factor qualitativo. Vejamos isso com as duas novidades que hoje trazemos para prova.

Marcos Hehn lidera um pequeno projecto vitícola na região de TV (7 hectares), mas que é grande em termos de ambição. Não porque queira crescer em termos de vendas, não porque queira posicionar os seus vinhos para patamares de preços estratosféricos por causa da relação escassez/raridade, mas porque quer impor um perfil próprio aos seus vinhos. Que perfil? Um perfil mais contido e austero do ponto de vista aromático e acidez quanto baste na prova de boca. O novo espumante Família Hehn Riesling, de 2014, é, a todos títulos, paradigmático. Mas, antes de esmiuçarmos a questão, vamos às origens do aparecimento do Riesling em TV.

As origens de Marcos são alemães. Durante a sua juventude passava férias com um tio na Alemanha, que o desafiava para a prova de vinhos. E, claro está, para um alemão, Riesling é o equivalente à Touriga Nacional para um produtor do Douro. De maneira que o jovem português apaixonou-se de tal forma que instalou Riesling nas suas terras. E com a casta alemã começou a fazer um branco tranquilo que chamou a atenção da crítica e dos sommelier​. Em 2014, decide fazer aquilo que é possível que seja único na Península Ibérica: um espumante varietal de Riesling.

Marcos não sabia o que iria dar um espumante feito de Riesling, mas quando, dois anos mais tarde, começou a fazer dégorgement (libertação dos sedimentos da segunda fermentação e adição do licor de expedição), torceu o nariz ao resultado “porque o vinho estava demasiado exuberante para o meu gosto”. Uns anos depois voltou a fazer dégorgement e, de novo, a mesma reacção: “não era o meu perfil de espumante”. De maneira que zangou-se e deixou o vinho de “castigo”. Até que, recentemente, resolveu dar-lhe uma terceira hipótese. “E, nessa altura, fiquei com a sensação de que era isto que procura: aromas subtis, nada impositivos e uma mousse de boca viva, mas delicada”. E é mesmo isso que temos aqui.

Ou seja, temos aqui um vinho com diferentes camadas: uma, está cá a acidez que faz a imagem de marca de região; duas, só o tempo dá complexidade a um espumante (e isso é uma lição para se levar muito a sério); três, apesar da casta não ser portuguesa, os parentes não caem na alma se a conhecermos bem; e, quatro, saúda-se um produtor que, mais do que estar preocupado com o perfil de espumantes que mercado aprecia, segue o seu caminho – coisa rara por estes dias.

Nome Família Hehn Riesling 2014

Produtor

Castas

Região Távora-Varosa

Grau alcoólico

Preço (euros) 28-30

Pontuação 91

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova Quem nunca provou um espumante 100% de Riesling e é fã da casta alemã poderá imaginar que as notas florais e frutadas (lichia) estejam presentes em força. Pois, mas não estão. Ou melhor, não estão aos saltos. Na verdade, estamos perante um espumante aromaticamente difícil de descrever, mas com nuances frutadas e minerais ligeiras. Na boca sente-se o bom efeito do tempo. Ou seja, delicadeza e elegância na estrutura e na bolha (é na boca que se deve avaliar a bolha e não no copo). Ainda bem que temos produtores que não se importam de esperar 9 anos para lançar um espumante. Dicas: Interessante como aperitivo e excelente como na ligação com sobremesas.

Curiosamente, o segundo vinho de TV é um projecto a solo do actual enólogo da casa Hehn, o jovem Miguel Cerdeira. Aqui estamos perante vinho que de tão novo até dá pena de o beber já (o que não significa que não se compre umas garrafas para descanso na cave durante uns três, quatro ou cinco anos).

Na freguesia da Faia, concelho de Sernancelhe, Miguel Cerdeira pegou em vinhas plantadas pelas avós António e Alice (e daí o nome de Antólice) que estão entre 550 e 600 metros de altitude e lançou um monovarietal de Malvasia Fina, a casta branca rainha na região.

Como pretendeu lançar um vinho que revelasse o terroir de TV, trabalhou o mosto apenas em inox, o que significa que não vamos ter aqui as componentes que as barricas costumam aportar ao vinho. Nesse sentido, é um branco bastante didáctico. Um vinho que tem a capacidade de mostrar que TV é uma região que merece ser descoberta, quer pelos brancos, quer - evidentemente – pelos espumantes.

Nome Antólice 2023

Produtor

Castas Malvasia Fina

Região Távora-Varosa

Grau alcoólico 11

Preço (euros) 30

Pontuação 91

Autor Edgardo Pacheco

Notas de prova É um branco muito jovem que tem por objectivo mostrar a casta e a região do Távora-Varosa. Donde, aromas de flores, frutos cítricos e ervas secas misturam-se com notas minerais. Na boca, a frescura e uma sensação de leveza que resulta, em parte, de estarmos perante um vinho com 11 por cento de álcool, o que só prova que um grande branco não tem obrigatoriamente de ter 13 por cento de álcool. Claro está que, como dissemos no texto principal, este é um vinho que vai ganhar complexidade com a passagem do tempo. Dicas: nesta fase, para umas entradas à mesa de Natal; mais tarde, com peixes confitados.

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