Almanua, a aguardada estreia de Manuel e Luís Cerdeira

Era uma das histórias mais aguardadas dos vinhos portugueses. O que andava agora Luís Cerdeira a fazer? Com o filho Manuel, volta a explorar “a versatilidade do Alvarinho”, mas vai mais longe.

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Luís e Manuel Cerdeira, pai e filho, criaram a Vinevinu, onde farão vinhos de "duas famílias": Monção e Melgaço e Famalicão Nelson Garrido
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Seguramente um dos lançamentos mais aguardados nos vinhos portugueses, a estreia de Manuel e Luís Cerdeira dá-se com este Almanua 2024, um vinho que é maioritariamente Alvarinho, no mesmo ano em que a notícia de que o segundo ia deixar o Soalheiro surpreendeu o sector.

Filho e pai já tinham colaborado antes, precisamente naquela empresa familiar e referência maior dos Vinhos Verdes, mas agora são sócios. Manuel licenciou-se em Enologia em Inglaterra (Brighton) onde o curso é "extremamente prático” e as gentes "têm jeito para o negócio”, justifica o pai. Ainda na universidade, criou com um amigo um negócio chamado Not Named Yet Wine Co., espécie de crowdfunding em que os mecenas têm uma palavra a dizer sobre o vinho a produzir, contou-nos Manuel. Foi através da Not Named Yet que fez um vinho com o Soalheiro. Ao ouvi-lo, ninguém diz que tem 22 anos. Luís dispensa apresentações, mas para os mais distraídos foi na última década e meia o principal motor da Soalheiro.

Agora, na Vivevinu, começa, com o filho mais velho, um projecto de "rejuvenescimento", descreve Luís, que já está a fazer vinhos em dois terroirs ("duas famílias", como diz Manuel): Vila Nova de Famalicão, essencialmente de vinhas arrendadas, por 20 anos, à Casa de Compostela — são os Almanua —, e em Melgaço — de uvas compradas a fornecedores com quem a família Cerdeira nunca trabalhou, esses vinhos serão os Génese e o primeiro sairá em Março.

Manuel (na imagem) e Luís Cerdeira arrendaram vinhas à Casa de Compostela, onde também estão a vinificar os vinhos Almanua e Génese Nelson Garrido
O primeiro vinho, Almanua Branco 2024, foi engarrafado em Dezembro Nelson Garrido
Pai e filho já tinham colaborado no Soalheiro, mas agora, na Vinevinu, são sócios Nelson Garrido
Em Requião, Famalicão, Manuel e Luís Cerdeira estão a explorar 17 hectares de vinha e planeiam plantar mais 21
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Manuel (na imagem) e Luís Cerdeira arrendaram vinhas à Casa de Compostela, onde também estão a vinificar os vinhos Almanua e Génese Nelson Garrido

Em Requião, Famalicão, Manuel e Luís — os seus aparecerão sempre nos rótulos dos vinhos, são eles a marca — estão a explorar 17 hectares de vinha e o que os convenceu foi haver ali Alvarinho, concretamente 4 hectares, a que se somarão a partir de 2025 mais 21, a plantar no Outono.

Porquê Alvarinho, para além do óbvio, da história de Luís e da família Cerdeira? Porquê em Famalicão? "Se quisermos encontrar nesta zona bom Loureiro, é fácil. Alvarinho não.” A dupla quer plantar diferentes clones, misturados, e videiras enxertadas. Também planeia plantar ali "algum tinto", "em princípio, Espadeiro e Padeiro".

A premissa é, como nos anos em que Luís ajudou a fazer do Soalheiro o que é hoje, trabalhar "a versatilidade do Alvarinho". A diferença é que agora o acto de criar tira partido de diferentes terroirs. E de diferentes castas, também. Os vinhos Almanua serão, de resto, sempre vinhos de lote. Não arrancarão nada da vinha existente, com cerca de 25 anos, apenas renovarão o que for de renovar.

“A nossa comunicação aqui vai ser terroir marítimo. E um segundo factor de diferenciação é o teor de argila, que aqui é superior ao que é habitual na região." Em Monção e Melgaço, terão Alvarinho de altitude. “Lá, procurámos vinhas diferentes das que estávamos habituados a trabalhar."

Na Casa de Compostela, a dupla também arrendou a adega da propriedade, que o industrial do têxtil Manuel Gonçalves mandou construir nos anos 1970 e que foi erigida segundo projecto do arquitecto Januário Godinho. Nessa adega, "feita com muito gosto", "amor" mesmo, nota Luís, o enólogo e o filho propõem-se fazer vinhos "do mar à montanha", "detalhes", nascidos numa "viticultura de jardim", que perseguirá a máxima “solo saudável, vinha saudável", ou seja, terá "biodiversidade".

A filosofia na adega

"Esta casa sempre teve Alvarinho nas vinhas. O resto foi descobrir. A Maria Gomes [ou Fernão Pires] eu nunca tinha trabalhado. O Arinto já, na Estação Amândio Galhano", contou-nos Luís, quando visitámos, no início de Dezembro, a sede da sua nova empresa. Disse-nos o produtor e enólogo que "não tinha boa impressão do Arinto" e, ironicamente, foi do Arinto que Luís e Manuel têm a estagiar num foudre que gostámos mais. Está pronto, mas a dupla ainda está a decidir se lhe junta algum Alvarinho. Diríamos que não precisa. Está muito bom agora.

Manuel explicou a opção pelo foudre. "Demos o nome de Às Voltas a este foudre. E o que é que significa Às Voltas? Literalmente o vinho anda às voltas durante a fermentação. O Arinto entrou lá dentro e regressou outra vez para o inox. Porquê? Nós quisemos no Almanua fugir dos vinhos só de inox. A Almanua vai ter sempre parcialmente barrica, que vai ser imperceptível, mas vai estar lá para a estrutura. E porque é que nós passamos no foudre? Também é para contrariar aquele metálico do inox, dando-lhe mais gordura no fim de boca, mais estrutura, amaciando os amargos. O Alvarinho é uma casta mais pronta. Directo, vinificamos, está como nós gostamos. O Maria Gomes e o Arinto têm de ser mais trabalhados. Precisam do redondinho para lhe tirar os amargos."

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Na Vinevinu, Manuel e Luís Cerdeira vão usar diferentes formas de vinificar, nomeadamente barricas que misturam carvalho francês e castanho português Nelson Garrido
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Manuel Cerdeira: "porque é que nós passamos o vinho no foudre? Para contrariar o metálico do inox, dar mais gordura no fim de boca, mais estrutura, amaciar os amargos" Nelson Garrido

Com o Almanua 2024, uma edição de 50 mil garrafas a pensar sobretudo para a restauração (e o seu preço, 11 euros, que nos restaurantes serão pelo menos o dobro, reflecte essa estratégia), a proposta é de um vinho chamativo no nariz, com nervo e muito gastronómico. Está lá o cítrico do Alvarinho, bem como um toque floral, a mineralidade, mas a Maria Gomes dá-lhe estrutura e o Arinto outro nível de frescura. Não usar só inox neste vinho foi ideia de Manuel. Funciona. E o vinho nem parece ter...três meses!

Também provámos, na adega, um 100% Loureiro 100% inox (para já), com uvas compradas na zona de Famalicão. Não será muito recorrente esse recurso, porque Manuel e Luís encontraram ali à volta sobretudo vinhas muito adubadas, feitas para originar vinhos de volume, mas estas estavam boas, ao que parece. Pêras durinhas, um lado floral também, uma acidez que marca toda a prova, até o final de boca, num vinho cheio de sabor, fun, como a casta, mas sério.

Em cuba, está outro Loureiro, super ácido, de Paredes de Coura, "uma origem impossível", para fazer espumante. E, em projecto, estão 'escritos' outros dois espumantes: um bruto de Alvarinho e Arinto e um Espadeiro e Padeiro

Nas vinhas da Casa de Compostela também há Sauvignon Blanc e Loureiro, mas pouco, daí a aventura para os lados de Coura. Na adega, para além do foudre, há barricas que misturam carvalho francês e castanho português, as Mixtus, que a Vinevinu registou, um dispendioso ovo de cimento de 3.800 litros, que "veio de Sonoma", na Califórnia, e "ainda não tem destino", mas "talvez venha a receber vinho de Melgaço". É menos poroso, oferece melhor e mais constante controlo de temperatura e é mais fácil de limpar, explicaram-nos.

A adega está sobredimensionada, para já, para o projecto da Vinevinu, que utiliza apenas parte da infra-estrutura, onde a Casa de Compostela, que celebrou 50 anos em 2024, continua a fazer vinho, com enologia própria.

Nome Almanua Branco 2024

Produtor Vinevinu;

Castas Alvarinho, Arinto e Maria Gomes

Região Vinhos Verdes

Grau alcoólico 12,5%

Preço (euros) 11

Pontuação 92

Autor Ana Isabel Pereira

Notas de prova É o vinho que marca a estreia da aventura de Manuel e Luís Cerdeira juntos, e em nome próprio, no vinho. As uvas são de Famalicão e, segundo a dupla, ainda beneficiam ali da influência atlântica. Na fermentação, passou por inox e madeira, em concreto por barricas especialmente concebidas para a Vinevinu, combinando carvalho francês e castanho português — aqui utilizadas apenas para aportar estrutura ao vinho, nem damos por elas. Tem a fruta e o floral do Alvarinho, esse carácter cítrico e mineral, a estrutura da Maria Gomes (sinonímia que o produtor prefere a Fernão Pires, porque achar que na região a casta não tem sido tratada da melhor forma) e a frescura do Arinto. Bela acidez e nervo, num vinho que aponta sobretudo à restauração. Um cartão-de-visita, se quisermos. Dos bons.

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