Castigo da Marinha a militares do navio Mondego anulado pela justiça

Amnistia papal não é aplicável aos marinheiros, conclui tribunal de segunda instância, uma vez que insubordinação pode ser punida com mais de um ano de cadeia. Marinha vai recorrer.

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Chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, no final de visita ao navio Mondego, em Março de 2023 HOMEM DE GOUVEIA / LUSA
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O Tribunal Central Administrativo Sul anulou os castigos que a Marinha, até há pouco tempo liderada pelo almirante Gouveia e Melo, aplicou aos militares que se recusaram a embarcar no navio Mondego alegando falta de condições de segurança.

O caso remonta a 11 de Março de 2023 e na altura o chefe do Estado-Maior da Armada disse que o incidente teve origem num erro humano, obrigando a abortar uma missão nas Ilhas Selvagens, na Madeira. Cerca de um ano depois, em Abril passado, os 13 marinheiros viram-lhes ser aplicadas penas disciplinares de suspensão entre dez e 45 dias.

Porém, o não cumprimento de várias regras básicas pela Marinha durante o processo fez o tribunal de segunda instância anular as punições. Os militares “foram ouvidos na qualidade de arguidos não constando, contudo, das actas de tomada de declarações que tenham sido informados, como se impunha, pelo oficial instrutor dos direitos e deveres que lhes assistiam, nomeadamente dos invocados direito à constituição de defensor e direito ao silêncio”, assinalam os juízes. O que, à luz do próprio regulamento de disciplina militar invalida não só este acto como outros que se lhe seguiram.

Por outro lado, os oficiais envolvidos na cadeia de comando e que tinham tido participação activa nos acontecimentos de 11 de Março, designadamente o comandante da Zona Marítima da Madeira, o capitão de mar e guerra Rodrigues Teixeira, estava impedido de ser instrutor do processo disciplinar, pelo que todos os actos que praticou são nulos.

Por fim, os arguidos não foram confrontados com todos os indícios apurados contra si, o que pôs em causa os seus direitos de defesa: “Mostra-se inquestionável a violação do princípio do contraditório e verificada a falta de audiência dos arguidos, sobre matéria da acusação, o que viola as suas garantias de defesa”, pode ler-se no acórdão, que explica ainda que estes militares não podem beneficiar da amnistia decretada a propósito da vinda do Papa a Portugal no Verão de 2023.

“Uma vez que se encontram em causa comportamentos qualificáveis como crime de insubordinação por desobediência, cuja moldura penal pode ser de um ano e três meses de prisão, não é possível declarar amnistiadas as infracções disciplinares militares pelas quais foram punidos”. Ora esta medida de clemência só pode ser aplicada a delitos de menor gravidade, com molduras penais até um ano de cadeia.

Num relatório de inspecção elaborado pelo Tribunal Marítimo, dias após a recusa dos militares, concluiu-se que o Mondego podia navegar em segurança, embora existissem "fissuras na estrutura" do navio, "falta de estanquicidade, "dificuldades de esgoto da casa das máquinas" e "incapacidade de separação de águas e óleos".

A Marinha anunciou entretanto que vai recorrer da decisão judicial desta quinta-feira. "A maioria dos processos relacionados com este caso tem tido desfechos favoráveis à Marinha, com decisões proferidas tanto por este tribunal como por outras instâncias", assinala este ramo das Forças Armadas, num esclarecimento enviado às Redacções, em que esclarece "que o processo em questão diz respeito ao castigo aplicado pelo Comandante Naval, e não pelo Chefe do Estado-Maior da Armada".

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