“Não sei como vai acabar a empresa”, diz dono da Visão e da Exame no Parlamento

“Sempre fomos alertando para problemas que eram óbvios e nunca sentimos da (...) administração o mesmo nível de preocupação”, declara membro da CT. Trust in News já tem assembleia de credores marcada.

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Redacção da Revista Visão, do grupo Trust in News. Nuno Ferreira Santos
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O presidente da Trust in News, Luís Delgado, anunciou esta quarta-feira que vai apresentar no dia 27 de Dezembro um plano de reestruturação da empresa, com "medidas directas específicas". Luís Delgado falava na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, no âmbito dos requerimentos dos grupos parlamentares do Livre e do PS sobre a situação em que se encontra o grupo, que detém 17 marcas, entre as quais a Visão. Na mesma reunião, a Comissão de Trabalhadores (CT) declarava que não pode dizer se houve má gestão da empresa e dos títulos, mas considerou que houve "inacção" por parte da administração.

"Este plano, com medidas directas específicas, vai ser apresentado no dia 27 de Dezembro junto do tribunal e, previamente a isso, junto do administrador de insolvência que, tanto quanto nos disse a nós, directamente, não tem nenhum plano", acrescentou Luís Delgado. "Também acho que não está muito interessado em conhecer os planos de reestruturação, mas ser-lhe-á mostrado na altura", asseverou.

"Não sei como vai acabar a empresa, até pode acontecer, como já ouvi, que o administrador de insolvência até final deste mês" se não tiver dinheiro para pagar os ordenados irá imediatamente para liquidação, referiu. Ou seja, "liquida imediatamente a empresa e eu não posso fazer nada", enfatizou Luís Delgado.

Agora, "o que eu posso fazer, e vai ser apresentado a 27 de Dezembro, é um plano de reestruturação que me comprometi a fazer e entregar no tribunal, porque se for assim ao menos existiu ali um plano", anunciou o também jornalista e gestor. A ideia é "manter os quatro pilares das medidas que tomámos [em 2023]".

"A conversão das assinaturas em digital, 50.000 assinaturas, eu acho que nunca tivemos", prosseguiu. Se eram os 50.000 "que eu achava que tinha quando comprei, eventualmente não corresponderia", a ideia que tive foi em redor das 40.000 assinaturas, apontou. "Fizemos a conversão, percebemos que era única saída que tínhamos para poupar, não havia outra solução e muitas pessoas, centenas, dezenas, milhares aderiram a essa solução, muitas desistiram", mas "sabíamos que isso iria acontecer, que iríamos ter uma quebra de 50%, estava previsto", relatou. Contudo, "aos poucos", as assinaturas digitais, sem custos, "estão a voltar" e esse era "um pilar do plano".

O segundo era "quem quisesse sair, as pessoas saíam e não preenchíamos o lugar", e o terceiro "foi conseguir reduzir em 44% aquilo que eram os custos de produção: papel e impressão", acrescentou, contando que tinham mudado de gráfica por causa dos preços. E depois "cortar tudo aquilo que do nosso ponto de vista poderia diminuir", elencou.

Deste modo, "aquilo que eu faria se tivesse gestão corrente, desde o dia 4 de Dezembro teria dito ao senhor administrador de insolvência o seguinte: "Vamos suspender de imediato as publicações que tenham margem de contribuição negativa"". Se estas publicações têm um contributo negativo, "e repetido, não vamos encerrar, vamos suspender", para estabilizar a empresa e isso levaria a "suspender muitas", mas ficaria com as pessoas.

A segunda medida era pedir ao administrador de insolvência "que use esse poder" para reintegrar algumas das pessoas nas redacções e outros serviços e passar uma carta para subsídio de desemprego a quem quisesse sair. Nesse sentido, "concentrar todos os recursos dessas publicações, colaborar com as direcções editoriais no sentido do que é que é necessário para que as coisas funcionem, redimensionar para menos de metade o espaço físico onde estamos" e reestruturar "tudo o que é a estrutura que suporta e que dá andamento às publicações".

E, por último, propor a credores - são 15 milhões - excluindo trabalhadores e Estado, converter parte em publicidade tanto em papel como em digital e um "haircut" [diminuição] da dívida em 25% e pagar o restante num prazo alargado até a empresa estar estável.

Carolina Almeida, membro da CT, falava na comissão parlamentar sobre a situação em que se encontra o grupo. Questionada pelo Bloco de Esquerda (BE) se houve má gestão, a CT referiu não poder responder a isso. "Eu, pelo menos", e o Rui da Rocha Ferreira, membro da CT também presente na audição, "não somos especialistas em gestão, temos a nossa percepção, e a palavra mais ouvida" sobre a situação do grupo "é inacção", afirmou.

Ou seja, "não sabemos se houve má gestão", mas houve "uma inacção", rematou Carolina Almeida, referindo que, ao longo do tempo, deveriam ter sido "tomadas algumas acções". O sentimento é de que "deveria ter sido feito mais alguma coisa para não chegarmos a este ponto, as decisões deveriam ter sido mais duras" para "não colocar os trabalhadores nesta situação", acrescentou.

Já Rui da Rocha Ferreira salientou que a gestão "boa não foi", referindo que quando o PER [Processo Especial de Revitalização] não foi aprovado havia indicação de que havia dinheiro para pagar algumas dívidas. "Mas se tinha dinheiro, por que não meteu?", questionou ao mesmo tempo que contava que a essa pergunta nunca houve resposta.

A Trust in News, grupo liderado por Luís Delgado, detém 17 marcas e conta com 137 trabalhadores. Rui da Rocha Ferreira salientou que, após a compra do grupo à Impresa, em 2018, a "fase da pandemia foi muito crítica", a que se juntou depois a guerra na Ucrânia, em que "o preço do papel encareceu", somando-se os salários em atraso.

Enquanto CT, "demos sempre o benefício da dúvida", salientou, sublinhando que "Luís Delgado sempre teve abertura tanto com a CT" como com os delegados sindicais e outros representantes. "Sempre fomos alertando para os problemas que eram óbvios e nunca sentimos da parte da administração o mesmo nível de preocupação", disse.

A CT apelou à intervenção do Governo na mediação junto dos credores, já que há marcas de revistas que foram dadas como garantias à Segurança Social e à Autoridade Tributária - maiores credores da TiN - para em caso de haver interessados "essa questão das garantias não vir a ser um entrave".

Já "é altura de os deputados discutirem de forma séria o que querem da comunicação social, tem de ser definido como sector crítico", defendeu Rui da Rocha Ferreira, apontando que em caso de "crise, por exemplo, haver um fundo que possa intervir" e uma "vigilância às contas" das empresas do sector.

Aliás, "pode e deve-se começar a olhar de forma mais estrutural para as empresas de comunicação", defendeu, rematando: "Se é para a TiN cair, que se aprenda alguma coisa" com isso. A dona da Visão, Jornal de Letras, Exame, entre outros, está em insolvência e tem assembleia de credores marcada para 29 de Janeiro.