MPLA muda vice-presidente a pensar no futuro em que João Lourenço continuará a mandar
Congresso alterou estatutos, permitindo que líder do partido e Presidente angolano sejam diferentes. “Rejuvenescimento” do comité central ficou-se pela substituição de Luísa Damião por Mara Quiosa.
João Lourenço encerrou o VIII Congresso Extraordinário a sublinhar que “os objectivos foram atingidos”, no meio de um ambiente “de harmonia e camaradagem” que “contrariou o sentimento pessimista de algumas pessoas”. O presidente do MPLA e de Angola não podia estar mais certo, havia conseguido fazer passar a proposta de alteração do artigo 120.º dos estatutos sobre a eleição do líder do partido: garantindo a possibilidade de, a partir de 2027, quando tiver de abandonar o poder por limite de mandatos, continuar a ser o presidente do MPLA.
Até aqui, o presidente do partido era o candidato a Presidente da República – o cabeça de lista do MPLA às eleições legislativas era o líder do partido que depois assumia o cargo de chefe de Estado, uma vez que a revisão constitucional de 2010 aboliu as eleições presidenciais directas. A partir de agora, os candidatos a Presidente e a vice-presidente deixam de ser os dois primeiros nomes da lista de deputados e passam a ser escolhidos pelo comité central, por proposta do bureau político.
Está, assim, aberta a porta à bicefalia que João Lourenço não quis em 2017-18, durante os meses em que José Eduardo dos Santos se manteve à frente do MPLA, depois de deixar a presidência do país. Meses turbulentos, apaziguados apenas pela substituição do ex-Presidente pelo actual.
Com esta alteração dos estatutos, a partir de 2027, quando João Lourenço deixar a Cidade Alta por limite de mandatos, Angola poderá ver-se a braços, se o MPLA continuar a ser Governo, com um caso paradoxal: o Presidente de Angola mandará no país (com os poderes alargados que tem hoje na presidência “imperial” definida pela Constituição de 2010), mas receberá instruções do presidente do MPLA. Em suma: Lourenço poderá continuar a ser poder mesmo depois de deixar o poder.
“As bicefalias não funcionam. Não funcionaram em Angola em 2017/2018 e, de um modo geral, nunca funcionaram em lugar nenhum do mundo”, escrevia Rui Verde, especialista em assuntos jurídicos, no site Maka Angola. Mas João Lourenço, que terá chegado a pensar na revisão constitucional para o limite de dois mandatos para o Presidente, parece agora estar mais convencido das vantagens da bicefalia, estando ele a liderar o partido.
“É importante dizer que a bicefalia em si não é boa nem má, ela é algo que existe e a que os partidos, o MPLA e outros, podem ou não recorrer, em função da sua estratégia, da leitura que fazem dos dados em presença, dos sinais dos tempos”, explicou aos jornalistas, citado pela DW, Celso Malavoloneke, membro da comissão do secretariado e da comunicação do partido. “É importante que não haja este preconceito, que vai rolando nas redes sociais e também na imprensa tradicional, de que a bicefalia é algo necessariamente mau.”
Mara Quiosa e o “rejuvenescimento”
No discurso de abertura do congresso, João Lourenço anunciara que a reunião do comité central, logo após o fim dos trabalhos de dois dias, visava ajustar o MPLA “aos grandes desafios” que tem pela frente, “rejuvenescendo o bureau político e o seu secretariado”. No entanto, se havia uma estratégia de “rejuvenescimento”, as mudanças acabaram por ficar aquém de uma verdadeira injecção de sangue novo e a alteração da vice-presidente foi a grande novidade: Luísa Damião, de 61 anos, a primeira mulher vice-presidente de Angola, é substituída como “número dois” no partido pela governadora do Kwanza Sul, Mara Quiosa, de 44 anos.
“É o fim do seu ciclo e será substituída por alguém mais jovem e no âmbito da estratégia de rejuvenescimento apresentada pelo líder, João Lourenço”, disse uma fonte do partido ao Novo Jornal.
Para o Presidente angolano, trata-se do reconhecimento do mérito daqueles que trabalham “de forma incansável” para o bem do partido e do país. Aludindo ao facto de, apesar de já ter sido antes governadora do Bengo e de Cabinda, não ser um nome muito conhecido dos angolanos, João Lourenço falou em recompensa para “aqueles que trabalham” sem se pôr em bicos dos pés, para aquele que não andam a dizer que é “bom quadro” ou “bom político” e que merecem “o lugar A ou B”, o que muitos poderiam interpretar como sendo falta de ambição política.
Nas suas declarações à imprensa, citadas pela Lusa, Mara Quiosa prometeu trabalhar “de forma mais aguerrida” para poder corresponder à escolha para tão alto cargo. Falando em plural majestático sobre si própria, reconheceu a sua falta de peso político: “De facto, temos alguma experiência, mas nada comparado ao que deveremos realizar agora.” Antes de terminar com uma frase que, mais que apontar para o futuro, parece ser um regresso ao passado, ao tempo de partido único: “Vamos continuar a trabalhar, a ajudar o camarada Presidente nesta caminhada, continuando a manifestar o nosso apoio incondicional ao nosso líder."