Vamos fazer uma greve geral aos TPC!
Proponho de novo uma greve aos trabalhos para casa, o que faz ainda mais sentido numa escola e num país onde os adultos basicamente reivindicam (e muitos já praticam) a semana de quatro dias.
Querida mãe,
Não. Aos. Trabalhos. De. Casa.
Sem mas, nem meio mas.
#1 Exarceba as desigualdades
Há as crianças que vão para casa, para pais com tempo, recursos e educação suficiente para apoiar os trabalhos de casa (vulgo TPC) e há outras que não só não podem contar com a ajuda dos pais (que em muitos casos não tiveram o privilégio de ter acesso a mais do que o 4.º ano de escolaridade) como têm responsabilidades com irmãos mais novos, ambientes disruptivos ou nenhum acesso a tecnologias necessárias.
# 2 A aprendizagem é na sala de aula
A aprendizagem é mais eficiente numa sala de aula com a supervisão de um professor qualificado do que feita por pais exaustos, divididos entre vários filhos, a esforçarem-se para se lembrarem das matérias do tempo em que andaram na escola (há mil anos atrás) e ainda a tentar não queimar o jantar.
#3 Prejudica os que têm mais dificuldades
As consequências de não fazer os trabalhos de casa afetam os alunos com mais dificuldades ou menos apoio. As bolinhas vermelhas, os castigos, menos recreios ou o estigma de ser sempre “o que não faz nada” são, por vezes, achas numa fogueira já complicada e que fazem qualquer criança desistir de tentar.
#4 Roubam o (pouco) tempo em família
Há mesmo tão pouco tempo para a família estar junta que deve ser respeitado ao máximo. Que uma vez, de vez em quando, haja um fim de semana em que tenham que trocar o almoço com os avós por um trabalho que têm que completar é uma coisa, que todos os fins de semana — que já são tão curtos — não possam brincar livremente, ir a casa dos avós, não fazer nada, para ficarem a fazer trabalhos ou irem mas passarem o dia inteiro com a sombra na cabeça de que chegando a casa “ainda vão ter que fazer não sei quantas fichas” (eles e os pais que sabem o drama que vai ser) é cruel.
Sim, às vezes a escola obriga os professores a mandar, às vezes são os próprios pais que pedem! E nada disto é simples mas o ministério, as direções pedagógicas, os professores e os pais têm de se envolver num debate sério e fundamentado para perceber porque estamos a mandar esta quantidade de trabalhos (que se calhar foram pensados em tempos que as aulas eram de meio dia) e quais as consequências.
Está comigo? Ou vai fazer de advogada do diabo?
Beijinhos
Querida Ana,
Estou a 100% contigo. Há muitos anos, o Sindicato das Crianças — composto por mim, o Eduardo Sá, o Mário Cordeiro e outras pessoas preocupadas com os direitos dos mais novos — decretámos uma greve nacional aos TPC, e só me entristece que passados tantos anos esteja tudo igual ao pior. Agora, como avó sinto esta opressão de forma ainda mais cruel porque vejo bem como as famílias se debatem com cada vez menos tempo, como nomeadamente o tempo de cabeça livre com os avós é boicotado por essa nuvem escura e omnipresente de tudo o que há a fazer ainda para a escola, sendo que a escola em si também ocupa mais horas.
E TPC nas férias do Natal?! Que já são, sobretudo nas escolas que funcionam por semestres (ainda não percebi a vantagem) e em que por isso pouco mais são de que uma semana?
Alem do mais revolta-me a contradição: só neste início de ano lectivo, as escolas estiveram em greve não sei quantos dias, muitos desses bem coladinhos a fim de semanas, e depois os alunos têm de compensar essa falta de aulas com trabalho extra em casa que, ainda por cima é como tu dizes, é basicamente um castigo para os pais que acabam zangados e a perder a cabeça com as crianças à volta de uma equação matemática que não fazem ideia como resolver.
Por isso, proponho de novo uma greve aos trabalhos para casa, o que faz ainda mais sentido numa escola e num país onde os adultos basicamente reivindicam (e muitos já praticam) a semana de quatro dias.
Fica já como resolução de Ano Novo.
O Birras de Mãe, uma avó/mãe (e também sogra) e uma mãe/filha, logo de quatro filhos, separadas pela quarentena, começaram a escrever-se diariamente, para falar dos medos, irritações, perplexidade, raivas, mal-entendidos, mas também da sensação de perfeita comunhão que — ocasionalmente! — as invade. E, passado o confinamento, perceberam que não queriam perder este canal de comunicação, na esperança de que quem as leia, mãe ou avó, sinta que é de si que falam. As autoras escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990