A última vez que enunciámos esta pergunta, estávamos à mesa com amigos e falávamos sobre fundos imobiliários, hotéis de luxo a serem construídos em vez de casas acessíveis: Até onde vai a nossa ambição? Nada nos faz parar? As desigualdades, as mortes das crianças, as alterações climáticas, nada contribui para que os mais ricos, os que têm o poder de decidir parem e reflictam, "OK, este é o meu limite". Onde fica o limite? Até onde estão dispostos a ir, indiferentes ao resto da humanidade, indiferentes, não só ao seu futuro, mas ao futuro do planeta, do sítio onde todos vivemos (eles também, mesmo que em bolhas ou em bunkers, ou estejam a preparar a sua ida para Marte...).

Esta é uma reflexão que fazemos em família, com amigos e que partilho nesta newsletter, depois de ter sido capturado o alegado homicida de Brian Thompson, o CEO da UnitedHealth. Chama-se Luigi Mangione, vem de uma família privilegiada e bem integrada na sua comunidade, era um estudante de primeira e podia traçar o seu destino nesse Olimpo dos mais favorecidos. Em vez disso, terá alegadamente morto alguém, responsável pela maior seguradora dos EUA, o que representa muito para os norte-americanos, sem um Serviço Nacional de Saúde e dependentes de seguradoras para terem acesso à saúde — saúde essa, que nunca é demais lembrar, diz a nossa Constituição, no art.º 64.º, os cidadãos devem ter acesso: "Através de um serviço nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito."

A Luigi Mangione foi-lhe negada a fiança, mas há milhares de norte-americanos dispostos a pagá-la, revela a CNN, a quem o seu advogado respondeu qualquer coisa como: se os ricos podem financiar os políticos, porque não pode o povo financiar a libertação do seu constituinte. Aparentemente, o jovem tornou-se um modelo a seguir e houve já uma mulher que ameaçou a sua seguradora com as palavras que foram encontradas nos invólucros das balas, palavras essas que os norte-americanos, pagantes de seguros, lêem quando os seus processos são recusados: deny (negar), delay (atrasar) e depose (depor).

O jovem de 26 anos é bonito, forte e bem constituído, de tal maneira que se procurar num motor de busca pelo seu nome e juntar a palavra "shirtless", sem camisa, verá um sem número da mesma imagem, do rapaz moreno, sorridente e com um corpo invejável. Será porque Mangione é atraente que há uma América que o apoia? Seremos mais benevolentes com criminosos bonitos do que com os restantes? A jornalista Carla B. Ribeiro foi procurar dados e encontrou um estudo que diz que sim, que a beleza física de um agressor influencia a sua capacidade de obter perdão, sobretudo junto do sexo oposto.

Mas será só por isso? Não, responde Ricardo Barroso, psicólogo especialista em comportamentos agressivos e docente na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, defendendo que a sociedade norte-americana olha para Mangione como uma espécie de "justiceiro". E explica: "Há raiva perante um sistema que provavelmente se entende como injusto e surgem estas narrativas de injustiça, transformando-se criminosos em símbolos de resistência ou de oposição."

Não sabemos se terá sido Mangione — não me acusem de achar o rapaz bonito, mas apenas de estar a cumprir o meu código deontológico, que diz que "o jornalista deve salvaguardar a presunção de inocência dos arguidos até a sentença transitar em julgado", ou seja, todos somos inocentes até prova em contrário —, mas o The Washington Post cita um excerto da sua recensão sobre o manifesto do Unabomber (escrito por um assassino que aterrorizou os EUA entre os anos 1970 e 1990 com bombas meticulosamente fabricadas),​ em 2021, Mangione atribuiu-lhe quatro estrelas no site Goodreads, sobre livros, e partilhou um comentário que atribuiu a outra pessoa: "Quando todas as outras formas de comunicação falham, a violência é necessária para sobreviver. Podemos não gostar dos seus métodos, mas se virmos as coisas da sua perspectiva, não é terrorismo, é guerra e revolução."

Raiva. Revolução. Depois de Thompson ter sido morto à porta do Hilton de Nova Iorque, Elon Musk apareceu com um dos filhos pequenos, num evento. Sentou-o ao colo, à sua frente. Depois, andou com ele às cavalitas. Situação a que as redes sociais não ficaram indiferentes. Nunca antes se vira o homem mais rico do mundo com um filho, estaria a usá-lo como escudo humano? Esta semana ficámos a saber que nunca houve alguém tão rico como Musk, mas também que a sua fundação de beneficência, há três anos consecutivos não doa os 5% (cinco por cento) do que a lei exige. Até onde vai a nossa ganância, qual é o limite?

Donald Trump, financiadíssimo por Musk, foi eleito pela Time como a personalidade do ano — que não fez mais do que cumprir a sua tradição, escolhendo sempre o homem que ganha a Casa Branca, fê-lo em cada um dos últimos sete anos de eleições presidenciais (e quatro dos sete anteriores). Portanto, é a segunda vez que Trump chega à capa da revista como "pessoa do ano". Nesta semana, ficámos a par de mais uma nomeação, para embaixadora da Grécia, a ex-namorada do filho mais velho. Saiba porquê.

Tantas personalidades que poderiam ter sido escolhidas para "pessoa do ano", por exemplo, a cantora Taylor Swift, que fez uma das maiores digressões pelo mundo, que arrastou milhões de fãs com as suas letras e que distribui os resultados pela sua equipa — distribuiu quase 200 milhões por todos os que trabalharam na Eras Tour. Um exemplo para tantos e tantos CEO, sobretudo em final de ano. Até onde vai a vossa ambição? 

Boa semana!