Quando vai à praia, Ana Pêgo fica chocada com o lixo que encontra: “Venho de lá com uma depressão profunda”, diz a bióloga marinha, que descobriu uma maneira singular para comunicar o que os seus olhos vêem, mas outros ignoram. Tornou-se artista. Dos resíduos que recolhe — uma variada palete de plástico, desde isqueiros a embalagens de protectores solares —, concebeu peças de arte: “Uso os objectos tal como os encontrei”, explicou, na apresentação da exposição Oceanart: science to art, na Biblioteca da Universidade do Algarve (Ualg). A mostra, com mais de 30 obras — pintura, escultura e fotografia —, tem a autoria de 13 artistas, e pode ser visitada até 7 de Janeiro.
Logo à entrada da biblioteca, há uma porta virtual que se abre, com vista para o mar. No interior sobressaem as esculturas de cavalos-marinhos, mas também uma pintura das ondas da Costa Vicentina (Sagres) a bater na rocha. A exposição, explica a curadora, Teresa Borges, nasceu do diálogo entre cientistas e artistas, como “forma de aumentar a consciência sobre os problemas que o oceano enfrenta”. O local escolhido não foi indiferente. A biblioteca é frequentada por uma média de 1300 alunos por dia, e a arte cruza-se agora com a leitura dos livros e revistas. A iniciativa conta com o apoio das Nações Unidas, no âmbito da Década do Oceano para o Desenvolvimento Sustentável (2021-2030).
Num primeiro plano, surge um quadro de um camaleão, pintado a óleo por Rafaela Silva. O bicho apresenta-se com ar assustado, e há razões para tal. “O turismo marinho e costeiro têm um impacto terrível [no ecossistema]”, refere Teresa Borges, do Centro de Ciências do Mar da Ualg. Durante o acto inaugural, no final da semana passada, as duas obras de Ana Pêgo (arte efémera) prenderam o olhar do ex-secretário de Estado das Pescas, José Apolinário — actual presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR/Algarve).
“Isto é muito interessante”, comentou, lembrando os perigos da poluição na cadeia alimentar. A artista explicou a motivação. “Trabalho em educação ambiental, sinto necessidade de comunicar o que observo”. E o que vê? “Recolhe-se toneladas de lixo dos oceanos — e bem — mas não se liga ao que se deixa nas praias.”
A directora da biblioteca, Salomé D’ horta, por seu lado, recorda que os pintores — habituados a expor em galerias — “mostraram-se surpreendidos quando viram que não havia paredes onde pendurar quadros”. Teresa Borges enfatiza: “O desafio foi vencido, conseguimos.” O reitor da Ualg, Paulo Águas, acrescenta: “Foi uma das iniciativas mais interessantes que fizemos na universidade.” De resto, adiantou ao PÚBLICO, “estamos já em fase de construção de uma nave, aqui, no campus das Gambelas, dedicada às artes”. Cada obra apresentada está acompanhada da respectiva informação científica, o que lhe confere a densidade do conhecimento, incorporada na leveza e cor da atmosfera criativa.
Tudo partiu de uma ideia, diz Teresa Borges, que andava a marinar há anos: porque não juntar a ciência e a arte? A professora, aposentada, lançou o “isco” aos colegas, e a receptividade não poderia ter sido melhor. “Quisemos mostrar que o mundo da ciência e das artes têm muita coisa em comum.” A forma como usam as ferramentas, refere a cientista, também pintora (e que aos 68 anos foi aprender a tocar piano), “talvez seja diferente: o artista, mais romântico, o cientista mais preocupado com os porquês”. Aproxima-se de um quadro de Sara Pontes: “A dança das algas”, pintura abstracta que vai ganhando nuances diferentes à medida que o sol vai rodando, do lado de lá da janela. Abeira-se de um quadro de Fiona Issler, “ela encantou-se com o plâncton, e veja a beleza que aqui temos, nestas três peças, usando a argila e renda”, revela.
Chega-se a um dos problemas que mais afectam o oceano: as mudanças climáticas. O tema, traduzido no branqueamento dos corais, foi trabalhado por Júlio Antão. Por fim, a pintura do polvo, da autoria de Teresa Borges: “O meu animal de estimação”, diz, justificando a preferência. “A brincar, costumo dizer: é mais inteligente que muita gente que eu conheço.” Do conjunto das histórias em que participou — quando fazia investigação com cefalópodes, em França —, recorda um polvo que se punha a dormitar, sempre que lhe fazia “festinhas na testa”; um outro, mais activo, conseguia “abrir a tampa de um frasco, quando punha lá dentro um caranguejo”. Bastava ter fome.