Em 2005, a Associação Portuguesa dos Industriais do Calçado, Componentes, Artigos de Pele e Seus Sucedâneos (APICCAPS) juntou alguns dos clientes do calçado português para um teste cego onde lhes pedia que avaliassem os sapatos pela qualidade. Quando descobriam que eram portugueses, reduziam em 30% o valor de compra. Em 2021, repetiram o mesmo teste e os clientes estavam já dispostos a pagar 13% acima do valor de venda. O que mudou? A indústria passou a promover-se “como a mais sexy da Europa” com campanhas anuais. “Criámos um movimento que proporcionou que as nossas empresas ascendessem na cadeia de valor”, declara o porta-voz, Paulo Gonçalves, ao PÚBLICO, a propósito do lançamento da campanha de 2025.
Sob o mote “a indústria mais sexy da Europa”, a primeira campanha Portuguese Shoes foi lançada no final de 2010 e então “chocou” o segmento ainda tradicional do calçado. “Os manequins estavam nus. Foi mesmo especial”, recorda com nostalgia o responsável sobre a campanha que queria mostrar o calçado mais apetecível da Europa. “Não conseguimos traçar uma ligação directa entre o aumento das exportações em mais de 50% do sector e as nossas campanhas, mas acho que o trabalho fala por nós”, assinala.
Ao longo dos últimos 50 anos, “as exportações aumentaram mais de 52%” e os sapatos portugueses passaram a ser exportados para, actualmente, 174. De acordo com os últimos dados disponíveis, referentes a 2022, foi batida pela primeira vez a barreira dos 2000 milhões de euros de exportação. Em volume, dos 85 milhões de pares produzidos em solo nacional, 76 milhões de pares foram vendidos para fora, ultrapassando Espanha como o segundo maior produtor de calçado da Europa, logo depois de Itália.
E o preço médio de exportação também tem sido uma conquista — em Espanha, o preço médio está quase 28% abaixo do português. “As nossas campanhas são muito elitistas propositadamente. É uma forma de dizermos ao nosso sector que temos de nos posicionar nos segmentos mais elevados do mercado. Isto é comunicação, mas mais do que isso, é estratégia”, justifica Paulo Gonçalves, acrescentando que a associação já investiu “15 milhões de euros em promoção”.
Contas feitas, é cerca de um milhão de euros por ano, com cada campanha anual a oscilar “entre os 300 mil e os 500 mil euros”. Paulo Gonçalves reconhece que o mérito do crescimento do calçado nacional não é apenas das campanhas de promoção, mas também “do trabalho que o país tem feito no posicionamento internacional”. O investimento, financiando por fundos europeus, tem sido constante ao longo dos 15 anos, sem picos de gastos, explica: “O que nós fizemos até agora não nos garante nada no futuro. Temos de continuar a fazer este trabalho e precisamos ter horizonte, fazendo uma programação atempada.”
Promover Portugal
Na prática, as campanhas anuais servem para ser usadas internacionalmente em revistas do sector, em feiras de calçado ou nas redes sociais. “É a base da comunicação do ano todo”, resume. E por a associação se sentir quase embaixadora de Portugal no mundo, apela quase sempre à cultura portuguesa. “Quanto melhor for a reputação de Portugal internacionalmente, seguramente melhores serão os resultados das nossas empresas”, insiste, lembrando exemplos como a produção com a Companhia Nacional de Bailado ou com o bailarino Marcelino Sambé, além da campanha que reinterpretou obras de pintores portugueses como Paula Rego, Júlio Pomar ou Almada Negreiros.
Para 2025, sob o mote Motherland (terra-mãe, em português), o protagonista é o actor José Condessa que posou no Vulcão dos Capelinhos, na ilha do Faial. “Os Açores têm uma ligação fortíssima com a natureza e estamos a fazer um investimento na área da sustentabilidade. A natureza é de onde tudo vem e tudo transforma, mas também gera oportunidades e, para nós, era simbólico”, explica Paulo Gonçalves.
E volta a colocar a tónica na promoção de Portugal como um todo: “Nesta campanha falamos de calçado, de moda, de turismo ou de cultura portuguesa.” As fotografias são assinadas por Frederico Martins, que é responsável pelas campanhas há 15 anos, e José Condessa veste roupa dos criadores nacionais Luís Carvalho e David Catalán, com o styling de Fernando Bastos Pereira, que também coordena o guarda-roupa desde o início do projecto da APICCAPS. A música do vídeo promocional, onde se vê o actor a percorrer a terra cinzenta na península formada pela erupção vulcânica de 1957, é da autoria de Ed Rocha Gonçalves.
Paulo Gonçalves confessa que “hoje é mais difícil fazer campanhas do que há 15 anos” porque “estamos mais conservadores” enquanto sociedade. Além disso, as redes sociais têm um papel preponderante na comunicação. “Há uma ditadura das redes sociais. Estamos condicionados ao que a sociedade pensa.” Ainda assim, termina com um desejo: “Espero que os próprios portugueses se revejam nesta campanha.”