Prata Roque: “Não é aceitável que os autarcas do PS façam o discurso do TikTok para ganhar votos”
Miguel Prata Roque, candidato à FAUL do PS, critica declarações de Ricardo Leão e Sónia Sanfona e alerta que já devia haver candidato à maior câmara do país a fazer campanha no terreno.
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Miguel Prata Roque apresenta esta quinta-feira a candidatura formal a presidente da Federação da Área Urbana de Lisboa (FAUL), após a demissão de Ricardo Leão. Em entrevista ao PÚBLICO/Renascença, é duro com algumas declarações polémicas de autarcas a propósito da concessão de apoios camarários, mas também com o Chega e os "lunáticos ou alucinados de um partido que só sabe berrar e colocar colchas à porta da Assembleia da República".
A FAUL ficou recentemente sem liderança na sequência de posições polémicas de Ricardo Leão e da sua demissão. O PS devia ter uma linha orientadora para evitar a replicação no partido do discurso do Chega, como propõe Francisco Assis?
O PS nunca está sem liderança. O PS tem que estar no centro da acção. Tem que ser uma força mobilizadora da sociedade e mobilizadora de esperança. E por isso não me parece minimamente relevante que o PS projecte a sua acção quotidiana relativamente a partidos minoritários que representam determinadas franjas da sociedade, que manifestamente estão zangadas com a forma como os políticos têm tratado os cidadãos.
E é por isso também que eu me candidato. É muito importante intervirmos cívica e socialmente. Aquilo que sinto é que os cidadãos estão descontentes com a forma como a política hoje em dia é feita. A política é feita com muito cinzentismo, calculismo, tacticismo.
Mas voltando a esta polémica que começou com declarações do autarca de Loures. Considera disparatada a ideia de Assis?
Não é nem de esquerda nem de direita gerir bem os recursos públicos. O PS deve gerir bem os recursos públicos e não deve usá-los para financiar actividades ou pessoas que não devem ter acesso a esses mesmos recursos.
Mas não podemos falar de subsídio ou dependência quando estamos a falar de pessoas que contribuíram para o sistema de segurança social durante pelo menos dois anos, que é o que acontece às pessoas que têm subsídio de desemprego, às pessoas que beneficiam de subsídio de doença ou de baixa médica. Estas pessoas não são subsidiodependentes.
Tem que haver, obviamente, uma linha de orientação e ela existe. Consta do programa ideológico do PS que está aprovado há largas décadas.
É suficiente?
Eu, como candidato a presidente da FAUL, realizarei uma assembleia geral de militantes, uma convenção autárquica, através da qual discutiremos uma carta estratégica autárquica que deverá ser assinada por todos os candidatos do PS. É decisivo que o PS reafirme os valores que sempre defendeu: liberdade, igualdade, fraternidade. E nesta vertente da fraternidade pressupõe-se um discurso empático relativamente àqueles que menos têm e que precisam de auxílio da comunidade.
Agora, era o que faltava, que um autarca do PS tivesse dúvidas se pode, ou não pode, votar ao lado de pessoas que defendem a retirada de direitos sociais a pessoas só porque há suspeitas não comprovadas judicialmente de que cometeram determinadas ilegalidades.
Era o que faltava que o PS votasse ao lado de partidos ou de listas independentes que defendessem, por exemplo, uma visão securitária da actuação das polícias e uma visão securitária e autoritária do exercício do poder. Obviamente que isso contraria toda a matriz ideológica do PS.
Houve também o caso de Alpiarça, a presidente da câmara Sónia Sanfona defendeu a retirada de apoios do município a crianças cujos pais exibissem sinais exteriores de riqueza. Essa autarca nunca voltou atrás na sua posição. O que é que se está a passar com os autarcas do PS?
Aquilo que vocês estão a falar são de duas situações limite. O presidente da Câmara de Loures já teve a oportunidade de corrigir as declarações que fez e reconhecer que as tinha feito num momento de infelicidade.
Relativamente a Alpiarça, temos já legislação que diz, precisamente, que é possível as instituições que concedem apoio social verificarem se há ou não esses sinais exteriores de riqueza. Aliás, a lei geral tributária faz a mesma coisa.
Mas a câmara não é a Autoridade Tributária...
Tanto quanto sei, não houve, propriamente, a aprovação de um regulamento municipal no caso da Alpiarça. Obviamente que as declarações da presidente da Câmara de Alpiarça não correspondem à matriz ideológica do PS.
Mas uma pessoa, um autarca com a responsabilidade da Sónia Sanfona, quando faz essa declaração, sabe que vai ter repercussão externa. E sabe que há pessoas que aquilo que vão pensar é que há crianças que vão ficar sem comer na escola. E isso é inaceitável. Mas o PS tem que falar claro. Essas declarações não são aceitáveis porque geram entropia. Gerem ruído no espaço público. Agora, quer no caso de Alpiarça, quer no caso de Loures, as políticas concretas da acção social do PS honram a história do PS.
As declarações foram muito infelizes e vou ser também o mais claro possível. Não é aceitável que os autarcas do PS tenham medo. Não é aceitável que os autarcas do PS achem que têm que fazer o discurso do TikTok ou das redes sociais para ganhar votos ou para manter os seus mandatos. Isso é inaceitável porque o PS tem que dar luta a esse mesmo extremismo através da razão, da preparação técnica e da criação de confiança nas pessoas que são destinatárias do nosso discurso.
Acha que há muitos autarcas na zona de Lisboa com esse medo de que fala? É isso que faz com que digam estas coisas, para serem populistas?
Não se trata de serem populistas. O PS está ainda a afinar o discurso que tem que ter relativamente à população. Vamos ser francos, e agora vou dizê-lo com as letras todas: O PS tem falhado. Tem falhado às pessoas. Por isso é que o PS não ganhou as últimas eleições legislativas. As pessoas estão zangadas. As pessoas estão zangadas com quem exerce poder. E como o PS felizmente exerceu poder durante 21 anos nos últimos 29, é normal que as pessoas estejam zangadas com o PS.
Mariana Vieira da Silva, que tem sido apontada como potencial candidata do PS à Câmara de Lisboa, é, de facto, uma hipótese?
Não podia deixar de ser. Com a experiência governamental e executiva que tem, a Mariana Vieira da Silva é alguém que, desde que tenha a vontade de ser candidata, tem todas as condições para exercer esse mandato.
Este é um momento tardio para a decisão sobre quem é candidato à Câmara de Lisboa. Uma candidatura à Câmara de Lisboa não se prepara a apenas nove meses do ato eleitoral. É incompreensível que ainda não tenha ficado claro quem é o candidato à Câmara de Lisboa. Já devíamos ter candidatos a fazer campanha no terreno.
Se o PS não ganhar a presidência das câmaras de Lisboa, Porto, Coimbra e Braga, isso será um problema para a liderança de Pedro Nuno Santos?
O PS, quando concorre, concorre para vencer. As pessoas estão zangadas com o PS, na última eleição legislativa quiseram demonstrar essa mesma zanga, mas também houve uma subida da participação política nas últimas eleições legislativas, o que significa que estão também disponíveis para abraçar novos projectos, para sair de casa, para ir votar, para participar.
Na minha perspectiva, o PS tem que ter a capacidade de falar a todos os eleitores. Aos eleitores que votam na Iniciativa Liberal, aos que votam no Chega, aos que votam no PCP. Portanto, é muito importante que o PS ganhe esses mesmos centros urbanos.
Mas não respondeu à pergunta sobre as consequências que poderia ter uma derrota nestes grandes centros urbanos, como ele lhes chama...
O PS tem congresso marcado para daqui a um ano. Terá tempo suficiente para digerir esse resultado das eleições autárquicas e para depois reflectir em congresso nacional.
Em Lisboa, o Chega poderá roubar votos ao PS?
Todos os partidos podem roubar votos reciprocamente. Eu já expliquei que acho que nas grandes cidades que estão nos subúrbios de Lisboa, há de facto uma raiva latente em crescimento. E o PS tem que apresentar soluções concretas.
O PS é o único partido que pode apresentar uma alternativa credível de governo. Não são nem os lunáticos, nem os alucinados de um partido que só sabe berrar e colocar colchas à porta da Assembleia da República, que vai garantir às pessoas melhores transportes públicos, mais segurança. Mas alguém que grita e insulta e que promove a baderna, o caos, a desordem, garante segurança a alguém?
Em Agosto, dizia em entrevista ao PÚBLICO que o PS é um partido “arteriosclerosado”. Pedro Nuno Santos não está a conseguir pôr o partido a ganhar ânimo?
Acho que se evita a arteriosclerose de duas formas. Com uma boa alimentação e também com exercício físico. E isso deve ser feito saindo das sedes, dos gabinetes. Estivemos muito fechados em gabinetes ao longo dos últimos anos. O PS tornou-se um partido tecnocrata, cinzentão. O PS andou a fazer muita passadeira interna de ginásio e andou a caminhar pouco na rua. E tem que fazer mais trekking e tem que fazer mais caminhada.
Espera alguma coisa em relação aos Estados Gerais prometidos pelo líder do partido?
Uma das linhas centrais da minha candidatura é justamente a abertura do PS à sociedade civil. Por exemplo, acho muito relevante, e essa será uma das minhas propostas como candidato a presidente da FAUL, que se deve avançar para a abertura a cidadãos não militantes do PS em votações de eleições primárias.
Julgo que seria importante que os candidatos às câmaras municipais daqui a quatro anos pudessem ser escolhidos através de eleições primárias abertas a cidadãos simpatizantes, mas não inscritos no PS. E acho que era muito importante que as listas de deputados também beneficiassem deste mecanismo de eleições primárias.
Está entusiasmado com os vários nomes de possíveis candidatos presidenciais da área do PS, que apareceram: António José Seguro, António Vitorino, Augusto Santos Silva, Mário Centeno?
Eu já declarei o meu apoio a Mário Centeno, se ele estiver disponível para abraçar essa mesma candidatura. Julgo que é uma pessoa com uma preparação internacional incomparável. Foi presidente do Eurogrupo, fez parte do Ecofin, conseguiu levar Portugal de uma situação em que as agências de notação financeira nos reprovavam para uma situação em que estamos acima de França e, portanto, julgo que é a pessoa adequada para o exercício dessa função.
O mandato de Mário Centeno no Banco de Portugal acaba em Junho. Acha que não será tarde de mais? Está disposto a esperar perfeitamente por Junho para conhecer a opinião dele?
O mês de Junho, com as festas populares, é um mês bonito para a apresentação da candidatura. Há sol, há bom tempo, as pessoas estão felizes a antecipar as férias. Julgo que há tempo suficiente para isso.
O Presidente da República deve ser essencialmente aquilo que foi Mário Soares e Jorge Sampaio, ou seja, um Presidente moderador. Um Presidente que não intervém e um Presidente que ajuda os vários poderes políticos a cumprir bem a sua função. A discussão política deve estar essencialmente no Parlamento e deve ser aí que os partidos devem promover entendimentos.
A minha preocupação relativamente à eleição presidencial é garantir justamente que não temos a repetição daquilo que aconteceu no segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa, que é um Presidente que deixa de ser árbitro para passar a ser o 12.º jogador de uma das equipas.
No PS não há pessoas a defender, como Daniel Adrião, que de resto já defendeu publicamente, a candidatura do almirante Gouveia e Melo?
Não faço ideia.
Mas baralha as contas do PS...
Mais uma vez, não consigo perceber isso. O eleitorado tradicional desse candidato será um eleitorado de centro-direita. Esse potencial candidato já inviabilizou a candidatura de Marques Mendes. É evidente neste momento que o PSD entende que Marques Mendes não tem condições de chegar a uma segunda volta presidencial.
Mas, com Mário Centeno, o PS não corre o risco de ficar de fora numa segunda volta nas eleições presidenciais?
Isso é que eu não percebo mesmo.
As sondagens dão-lhe menos de 10%.
As sondagens diziam que pela primeira vez na história da democracia portuguesa um ministro das Finanças era o ministro mais popular do Governo.
Se houver uma segunda volta, o PS tem de se preparar para a eventualidade de ter de apoiar um candidato que não é exactamente o seu?
Nos últimos 20 anos, o PS ganhou sucessivamente eleições. Eleições autárquicas, legislativas, mas não as presidenciais. Perdeu as eleições presidenciais porque justamente o povo português entende e bem que é preciso um contraponto ao poder executivo.
As pessoas percebem que é preciso um contraponto e que é um risco para a democracia, para o pluralismo, para o escrutínio democrático, que tenhamos um Presidente da República que faça aquilo que tem feito Marcelo Rebelo de Sousa nos últimos nove meses: ter metido baixa e ter desaparecido desse mesmo processo de escrutínio público democrático.