Cada um tem o Novo Banco que merece

O fundo americano que ainda controla o Novo Banco oficializou o fim da limpeza patrocinada pelo Estado português e pelos concorrentes. Como fundo abutre, mereceu cada cêntimo do que vai ganhar.

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Novo Banco foi vendido em Outubro de 2017 Rui Gaudêncio
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O Lone Star tem o Novo Banco que mereceu, depois de ter sido o único protagonista com bagagem financeira para compreender o que se iria passar. O fundo norte-americano especializado em rentabilizar activos circunstancialmente degradados cedo percebeu o que tinha em mãos. Um Governo refém das pressões europeias, acossado politicamente e disposto a quase tudo para fechar o trágico processo da queda do BES e capitalizar o eufemismo da “estabilidade financeira”.

Pagou 750 milhões de euros, deixou estar o Estado português como parceiro silencioso e aceitou com um sorriso nos lábios uma gigantesca cobertura financeira para limpar o banco do legado do ciclo de poder que ergueu o BES de Ricardo Salgado.

Da almofada de quatro mil milhões de euros, gastou quase tudo durante o tempo que precisou para recuperar plenamente o banco ao ponto de ir a tempo de apanhar a maré cheia das taxas de juro. Vai receber em dividendos mais do que gastou na compra e fá-lo no último ano antes da venda do banco, que vai conseguir concretizar num pico de valorização do sector, depois de anos de lucros recorde em todas as instituições.

O Lone Star mereceu. Fez o seu papel. Os seus accionistas e financiadores aplaudem o excelente trabalho que a sua equipa de resgate fez num banco pequeno num pequeno país do Sul da Europa. O “abutre” está prestes a esvoaçar para as próximas carcaças num outro qualquer deserto sedento de capital.

Mário Centeno tem o Novo Banco que mereceu, depois de ter patrocinado como ministro das Finanças uma decisão cujo desfecho vai formalizar já como governador do Banco de Portugal, num dos episódios mais tristemente ilustrativos das portas giratórias entre poder político e supervisão bancária.

O antigo ministro ficou refém do sucesso da solução assinada com o Lone Star e, agora, como líder do Banco de Portugal, que integra o Fundo de Resolução que financiou o projecto, aceita abdicar da litigância que todo o processo foi criando e entrega de bom grado o banco “ao mercado”, podendo acenar com dividendos e um potencial encaixe com a venda para o Estado. Pelo caminho, cimentou a sua carreira como ministro das Finanças, foi aplaudido pelos seus pares europeus por ter parado uma sangria aparentemente irresolúvel no BES e teve o prémio da sua nomeação para o Banco de Portugal patrocinada precisamente pelo Banco Central Europeu.

O actual governador mereceu o Novo Banco tanto quanto o seu antecessor e arqui-rival mereceu o fim do BES. Esta criatura financeira é ironicamente obra dos dois, sendo que para Carlos Costa o Novo Banco nunca representará o infame lugar na história que a execução do BES lhe dará, apesar de ser sua a assinatura na venda ao Lone Star.

António Ramalho e a sua equipa tiveram o Novo Banco que mereceram. Assumiram o ónus de uma solução frágil politicamente e pioneira financeiramente. Lutaram com todas as suas forças pelo seu accionista privado, desprezando o accionista público. Defenderam o indefensável publicamente, enquanto manobravam nos bastidores para que a transição fosse o mais suave possível para que praticamente todos os pequenos poderes que o BES criou pudessem sobreviver com o Novo Banco. As carteiras de activos tóxicos foram geridas meticulosamente nesse sentido. Prosseguirão as suas carreiras com os merecidos pára-quedas dourados, opacos o suficiente, mas visíveis quanto baste para que ninguém se esqueça do que são capazes, ética e profissionalmente.

O Estado português teve o Novo Banco que mereceu: a mentira do custo mínimo que a solução representava, que caiu à primeira injecção de mil milhões de euros pedida pela gestão ao Fundo de Resolução; a montanha de injecções que chegou aos 3,5 mil milhões de euros e que foram sendo descontados ao défice público ao ritmo de sofridos pontos percentuais; a experiência irrepetível do Fundo de Resolução e do Mecanismo de Capital Contingente, que mais ninguém ousou no resto da Europa. E mereceu receber a onírica razão para tudo isto: a “estabilidade financeira”, expressão repetida para justificar tudo no Novo Banco, inclusive o desfecho anunciado nesta segunda-feira.

Os contribuintes portugueses não mereciam ter sido poupados à outra opção em cima da mesa do Governo português: a nacionalização. Nunca saberão se podia ser pior. Os custos estimados à época — 10 mil milhões — não podiam ser realmente levados a sério. Ninguém sabia. Os ciclos na banca são imprevisíveis. A única certeza é que chegam sempre, à boleia dos solavancos económicos.

A Caixa Geral de Depósitos está a bater recordes de lucros há um par de anos e a distribuir dividendos igualmente expressivos ao seu accionista público. O Fundo de Resolução ainda vai a tempo de os receber no Novo Banco. Cerca de 300 milhões pela pequena posição que tem e já no fim do ciclo de dividendos. E ainda vai receber um pequeno encaixe, à proporção. O Estado português nunca saberá se podia ter rentabilizado uma nacionalização. Mas sabe que o seu parceiro privado rentabilizou a venda com margens que nem os seus analistas mais optimistas estimariam. No melhor cenário, o Novo Banco terá um saldo zero, quando tudo for pago no Fundo de Resolução nas próximas décadas. Até lá, novos ciclos virão e outras crises precisarão dos Estados.

E, finalmente, os bancos mereceram o Novo Banco que vão ter de pagar durante os próximos largos anos, através da cobertura anual dos custos armazenados no Fundo de Resolução. Mereceram a “estabilidade financeira”. Mereceram o dócil parceiro que tiveram na negociação dos seus próprios créditos problemáticos. Mereceram o apagamento comercial que o Novo Banco representou durante estes anos de ouro na banca. Mereceram o cumprimento da velha e inexpugnável regra da banca de todo o mundo há séculos: quando a crise é grave e reputacional, resolve-se em pequenos e exclusivos gabinetes e usa-se o poder surdo e invisível para vergar os Estados e os seus decisores.

O Novo Banco é uma lição de vida. Bancária. Política. Ética. Moral. E, como tudo na vida, cada um tem o que merece.

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