Terreiro em Sintra promove resistência, acolhimento e luta contra preconceitos

Casa, que tem como base o candomblé, acolhe brasileiros, africanos e portugueses, oferecendo um espaço de espiritualidade, resistência cultural e combate ao racismo e à xenofobia.

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O babalorixá Pai Pedro afirma que o candomblé vai além de uma prática religiosa: é uma filosofia de vida Gleice Bueno
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Pai Pedro, sacerdote baiano radicado em Portugal desde 2017, encontrou no país o espaço para expandir sua missão espiritual e cultural. Após receber o cargo de sacerdócio em 2015, ele buscou o lugar ideal para abrir sua casa de candomblé. "O orixá regente da minha família, Oxum, indicou que minha jornada deveria atravessar o Atlântico. Na época, não entendi, mas aceitei", relata. Hoje, o babalorixá lidera um terreiro em Sintra, onde brasileiros, africanos e portugueses se reúnem para celebrar a espiritualidade e construir um espaço de acolhimento e resistência.

O candomblé tem suas raízes no continente africano, nas tradições espirituais de povos como os bantos, iorubás e jejes, que foram trazidos ao Brasil durante o período de exploração escravocrata. A religião floresceu como um espaço de resistência, preservando práticas culturais, litúrgicas e filosóficas africanas em solo brasileiro. "O candomblé no Brasil nasceu da necessidade de sobrevivência espiritual e cultural, criando uma identidade própria que mistura influências africanas, indígenas e europeias", explica Pai Pedro.

Além de ser um culto religioso, o candomblé exerce papel fundamental na formação da cultura brasileira. Das rodas de samba às lutas pela igualdade racial, muitos movimentos políticos e culturais têm raízes nos terreiros. "São lugares de resistência, onde se construiu a dignidade de um povo historicamente marginalizado. Dali surgiram movimentos culturais como o samba e iniciativas políticas que lutam contra o racismo e a exclusão", destaca.

Em Portugal, Pai Pedro encontrou desafios ao estabelecer seu terreiro, como o acesso a materiais litúrgicos e a reconstrução do espaço. No entanto, ele se deparou com uma comunidade diversificada, que faz a diferença. "A presença de africanos em Portugal criou um mercado que facilita o acesso a itens fundamentais para nossas práticas. Além disso, há muitos portugueses interessados em entender e participar do candomblé, reconhecendo sua importância histórica e espiritual", diz.

Espaço para imigrantes

O terreiro de Sintra transcende a religião: é um espaço de fortalecimento para imigrantes que enfrentam as dificuldades de adaptação e um refúgio para aqueles que buscam se reconectar com suas raízes. "O candomblé devolve às pessoas uma ligação com sua humanidade. É um espaço onde brasileiros, africanos e portugueses se encontram e aprendem a conviver com suas diferenças", afirma Pai Pedro. Ele salienta ainda que o terreiro é um dos raros lugares onde mulheres podem ocupar posições de liderança, desafiando estruturas patriarcais.

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Celebração do candomblé em Brasília, em 2008, promovida pelo Ministério da Cultura Wikipedia

Cercado por vegetação, o espaço, reflete a conexão intrínseca entre o candomblé e a natureza. "Ritualizamos a natureza, ela é parte essencial da nossa fé. Foi um presente encontrar este espaço em Sintra, onde podemos honrar os orixás em comunhão com a Terra", afirma o babalorixá.

O local, que ainda passa por reformas estruturais, principalmente após parte do telhado ter caído, já promove eventos como oficinas de plantio, rodas de conversa, exibição de filmes e apresentações culturais. Parcerias com associações como a Casa do Brasil de Lisboa e o coletivo Batoto Yetu ampliam o impacto do terreiro na comunidade.

Apesar de sua relevância cultural e social, os terreiros de candomblé continuam sendo alvo de perseguições e ataques. "Espaços como o nosso assustam porque oferecem uma alternativa ao sistema dominante. Aqui, devolvemos dignidade e poder às pessoas, algo que não interessa a quem mantém privilégios estruturais", explica o sacerdote. "A presença de mulheres na liderança também incomoda, porque desafia o patriarcado."

Diversidade religiosa

Pai Pedro também aponta a falta de representação do candomblé em políticas públicas como um entrave ao seu trabalho. "Antes, quando existia o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), havia um Conselho de Liberdade Religiosa no âmbito do Alto Comissariado para as Migrações. No entanto, com a criação da Agência para Integração, Migrações e Asilo (AIMA), esse conselho ainda não foi restabelecido", critica.

Ele ressalta que, entre os imigrantes, há uma enorme diversidade de crenças, tornando essencial que o novo órgão retome o conselho. "A representação religiosa é uma forma de garantir a inclusão e o reconhecimento das diferentes expressões de fé existentes em Portugal", enfatiza.

A falta de apoio institucional é outro desafio enfrentado pelo terreiro. "Somos uma associação registrada, mas não recebemos benefícios fiscais nem apoio para manter nossas atividades. Precisamos de isenção de impostos, como outras entidades religiosas, e de fundos para promover nossas ações culturais e sociais", reivindica Pai Pedro. Ele acredita que, com maior apoio, o terreiro poderia expandir seu impacto na comunidade, oferecendo eventos gratuitos e ampliando o acolhimento a imigrantes e portugueses.

O sacerdote afirma que o candomblé vai além de uma prática religiosa: é uma filosofia de vida. "O terreiro é um espaço de abundância, onde se celebra a diversidade e a humanidade. Num mundo tão dividido, ele nos ensina que somos todos sagrados e que a convivência é possível", diz,

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