Mercado das ações: o Império contra-ataca

Começamos a ouvir os mais novos falar de investimentos. São conteúdos das redes sociais, histórias de sucesso, influencers e gurus que prometem uma receita de sucesso. Quem lhes paga e ganha com isso?

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A concentração de gurus por metro quadrado está em altas. De repente, todos são especialistas em tudo. Qualquer um pode ser um mestre, do yoga ao reiki, do marketing ao digital e da gestão financeira ao mercado das ações. Proliferam cursos online, oportunidades únicas de formação em que os primeiros X inscritos obtêm logo uma série de vantagens competitivas nem dão tempo para pensar.

No Youtube e no Tiktok, oradores bem-sucedidos, de medalhas ao peito, mostram como o domínio da sua área de especialidade mudou a sua vida. A questão nunca é, apenas, sobre dinheiro — é sobre liberdade, conhecimento, controlo sobre a própria vida, sair da “roda dos ratos” em que o mundo atual nos enfia, onde o trabalho já não é fator de emancipação.

De onde apareceram tantos gurus?

A tempestade perfeita formou-se. Temos a geração mais qualificada de sempre, crescemos com a pensar que somos especiais, rodeados por toda atenção num mundo dedicado ao indivíduo. E as redes sociais vieram tornar a nossa voz audível, cada um de nós tem o seu próprio veículo de comunicação em massa. Somos uma geração que recusa modelos tradicionais de trabalho, que abomina os trabalhos das 9h às 17h. Sermos nós próprios, decidirmos o nosso próprio destino: foi para isso que fomos feitos.

Todos queremos influenciar o mundo, deixar a nossa marca, o nosso legado. É daqui que nasce a geração de influencers. Mas as redes sociais, por si, não pagam. Quem paga as redes sociais é a publicidade. E os influencers ganham a vida a publicitar coisas.

É uma coisa que ensino aos meus alunos de Marketing: antes a publicidade estava nos jornais e nos cartazes e só via quem passava ou quem lia; depois a publicidade passou a estar na televisão e só via quem estivesse a ver o programa e não saísse para ir buscar pipocas ao intervalo; agora, a publicidade está nas redes sociais e é feita à nossa exata medida. Um post de um amigo de férias não é apenas isso, é uma publicidade a viagens. Uma foto alguém com uma pulseira nova tem por detrás uma marca que quer vender.

O algoritmo das redes sociais prioriza conteúdos que têm, associados a si, um estímulo ao consumo. As redes sociais são, por isso, o maior repertório de publicidade de sempre. E contrariamente a toda a publicidade tradicional, que muitas vezes procurávamos evitar, esta vamos ver de livre e espontânea vontade, disfarçada de “conteúdo”.

Ora, todos queremos ser livres e ter mais dinheiro. É aqui que entra o mercado das ações. Depois da descredibilização total de mais um crash bolsista que, em 2008, arrasou as poupanças de milhões de pessoas e arrastou o mundo para uma crise global, as ações perderam espaço. Nunca falei com os meus amigos sobre ações, investimentos não eram uma preocupação há uns anos. As pessoas tinham perdido a esperança.

Mas isso mudou muito recentemente. Em poucos anos, começámos a ouvir os mais novos a falar de investimentos, como enriquecer, pai rico e pai pobre, liberdade financeira! São conteúdos que as redes sociais disseminaram a quem tem a disponibilidade para os receber. Centenas de vozes, histórias de sucesso, influencers e gurus que prometem uma receita de sucesso. Quem lhes está a pagar?

Robert Kiyosaki, autor da bíblia dos investimentos Pai Rico, Pai Pobre, não fez a sua fortuna a investir. É um palestrante profissional que virou autor. Na verdade, tem dívidas contraídas em milhões de dólares.

Um investidor investe. Um professor ensina. Um publicitário publicita. Se estas pessoas ganham dinheiro a investir, porque estão a dar aulas e a publicitar coisas? Porque é isso que na verdade, lhes paga as contas no final do mês (e o mercado financeiro é um império poderoso, com muito dinheiro para dar). Invariavelmente, os gurus são, na verdade, fraudes. Assalariados ocasionais de um qualquer departamento de Marketing de uma empresa financeira. Dizem o que lhes pagam para dizer.

E a narrativa da liberdade é mais uma prisão. Uma prisão ao sistema global em que economia cresceu brutalmente desde os anos 1980, mas os salários mantiveram-se estagnados. Para onde está a ir esse dinheiro?

A forma de nos protegermos dos gurus, é sempre perguntar: o que é que esta pessoa ganha com o que me está a dar?

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