Tudo pela segurança. Vale a pena?

Mudar de país implica em muitas renúncias. Abandonamos o convívio com a família, com os amigos, trocamos nossos hábitos e costumes, muitas vezes, largamos casa, emprego e profissão.

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Se você perguntar para a maioria dos brasileiros que vivem em Portugal o motivo que os trouxe para cá, a primeira resposta será segurança. De fato, a tranquilidade ao andar nas ruas faz toda a diferença. O medo de assalto ou roubo não é uma constante por aqui, mesmo em situações em que haja multidões, como na época dos Santos Populares, as festas do mês de junho em Lisboa. E a sensação de estarmos seguros não tem preço.

Será?

Cada um sabe onde aperta o seu sapato. Essa é uma verdade indiscutível, e cada escolha que fizemos vem acompanhada de uma ou mais renúncias. Mudar de país implica em muitas delas. Abandonamos o convívio com a família, com os amigos, trocamos nossos hábitos e costumes, muitas vezes, largamos casa, emprego e profissão.

Será que tudo isso vale a pena em troca de segurança? Depende, e como essa não é uma resposta exata, aí vai um conselho de quem renunciou a muita coisa para viver em Lisboa. Planeje, pense em tudo o que pode não dar certo, nas consequências e impactos, e só depois assuma ou não esses riscos.

Eu não mudei para Portugal por causa da segurança. Vivia no Rio de Janeiro, era repórter numa das cidades mais violentas do Brasil e, claro, me preocupava com a segurança, ainda mais com um filho pré-adolescente. Mas não foi o medo da violência que determinou a minha escolha de mudar para Portugal. Tinha outras motivações pessoais e uma enorme vontade de experimentar a vida na Europa.

Como não se nasce duas vezes, devemos vivenciar as nossas vontades mais profundas. Foi o que fiz, e não me arrependo, embora sinta falta de muita coisa do Brasil e da minha vida na “cidade maravilhosa”, lugar que amo e onde sempre sonhei viver. Sim, minha ida para o Rio foi mais uma das várias migrações que fiz ao longo da vida. Nasci no Rio Grande do Sul, e vivi em outros três estados diferentes.

Então, mudança é comigo, e eu sei o quanto é importante minimizar os riscos, digo minimizar, porque eles estão sempre presentes. Assim, mais uma vez pergunto: vale a pena tanta troca em busca de segurança?

A brasileira Elisangela Sarkis se arrepende da decisão que tomou há seis anos, quando trocou Manaus por Lisboa. “Eu tinha um bom emprego, era gerente da área financeira de uma empresa, tinha minha casa e larguei tudo. Só percebi as dificuldades daqui depois de uns três anos. Me arrependo muito de ter trocado a minha vida estável no Brasil. A segurança em Portugal é melhor sim, mas o resto, para mim, não compensou”, afirma.

Viver em um lugar seguro foi o que impulsionou a mudança, mas a realidade portuguesa veio acompanhada de muitos desafios. Elisangela é formada em administração e ainda não conseguiu usar essa experiência em Portugal. Atualmente, sobrevive como motorista de Uber e cuidadora de idosos. Dois exemplos de trabalho que sustentam milhares de brasileiros que migraram para Portugal.

É importante ponderar todas essas dificuldades antes de se mudar de país. Na hora de planejar, é fundamental que você considere o fato de, eventualmente, não conseguir trabalhar na sua área de formação, ou próximo dela. Vejo muitos brasileiros em situação semelhante ao utilizar os aplicativos de carro. Vale lembrar que esse tipo de trabalho também tem sido opção para muita gente no Brasil, onde, além de segurança, muitas vezes falta emprego.

Por outro lado, vejo também exemplos bem-sucedidos, em que, talvez, o planejamento e uma boa dose de ousadia e dedicação tenham feito a diferença. Aquela velha máxima: “quem não arrisca, não petisca”.

Ao ver tantos imigrantes, me preocupo em saber se essas pessoas levaram em consideração questões básicas como custo de vida, ganhar em euro, mas pagar em euro, ser estrangeiro em um lugar, recomeçar...

Às vezes, me faço essas perguntas, e o que tranquiliza meu coração é a resposta de que, apesar das renúncias, não desistiria do que vivi aqui ao longo desses três anos. Não se pode ter tudo, mas o estado de felicidade é algo que a gente deve sempre buscar.

“Por pior que sejam as dificuldades que passamos aqui, nada se compara a ter segurança, o poder ir e vir livremente, e isso nós não tínhamos mais lá”, diz Adriana Reis, que há cerca de um ano e meio saiu do Rio de Janeiro para viver no distrito de Setúbal, à margem sul do Rio Tejo, pertinho de Lisboa.

Adriana e o marido venderam a casa que tinham na Zona Norte da capital, com medo das ameaças de traficantes e milicianos, grupos armados que disputam territórios no estado. Vieram com a filha ainda criança e começaram uma nova história. Ela conseguiu trabalhar como manicure, mesma função que tinha no Rio de Janeiro, e o marido é motorista. Adriana acha que tem mais qualidade de vida aqui. A família já tinha um filho em Portugal, e estruturou a mudança ainda no Brasil.

São informações que podem facilitar o processo de migração, como saber quais documentos são necessários para ter acesso à saúde, qual a maneira mais eficiente de tentar a autorização de residência, qual a média salarial em Portugal e o quanto vai pagar de aluguel, a chamada “renda” para os portugueses...

Se levar tudo isso em conta, se avaliar e, mesmo diante das possíveis dificuldades, considerar que vale a pena, vá ou venha!

Jaqueline de Lima Muller e o marido apostaram no prazer de se aventurar e conhecer novas culturas. “A gente queria essa experiência e ter a possibilidade de poder viajar para outros países da Europa. Estamos felizes aqui”.

O jovem casal mudou de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, para Portugal há dois anos. Ela tinha um salão de beleza, hoje, trabalha para um salão em Lisboa. Ele é designer gráfico e, por enquanto, opera máquinas em uma gráfica. Jaqueline diz que o salário dos dois, aproximadamente 2.600 euros (R$ 16.400), garante uma rotina mais próspera aqui.

Como disse acima, a vida, até onde a gente sabe, é uma só, e o importante é permanecer onde nosso coração se sente mais feliz.

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