Os adolescentes ucranianos enfrentam um dilema difícil: combater ou fugir

O Exército diz precisar de mais combatentes jovens que possam trazer “maior motivação e resistência à campanha”. Mas muitos não percebem como é que ficar na Ucrânia lhes pode dar um futuro.

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Andriy Kotyk, 21 anos, combatente na Ucrânia Sergey Kozlov / REUTERS
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  • A maioria dos homens ucranianos entre os 18 e os 60 anos não pode sair do país
  • Os rapazes no final da adolescência enfrentam uma escolha difícil: ficar ou sair?
  • A maioria ficou, alguns alistaram-se no Exército
  • Cresce a pressão para que a idade de recrutamento para o Exército seja reduzida de 25 para 18 anos

Um mês antes de fazer 18 anos, Roman Biletskyi, natural de Kiev, deixou a família e embarcou num comboio em direcção a oeste para fugir da Ucrânia e de qualquer possibilidade de combater na guerra.

“Adiei a decisão até ao fim”, disse à Reuters a partir do dormitório da faculdade na Eslováquia, para onde foi em Fevereiro. “Era um bilhete de ida.”

Nem todos os adolescentes ucranianos tomaram a mesma decisão. Andriy Kotyk, pelo contrário, alistou-se no Exército no início da guerra, em 2022, mal fez 18 anos.

“Pensei em tudo e decidi alistar-me”, disse Kotyk, vestido com um colete à prova de bala e empunhando uma espingarda automática, a partir do seu posto na região de Kharkiv (Carcóvia), no Nordeste da Ucrânia, onde aguardava a reparação do seu veículo depois de sobreviver a um ataque de drones.

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Andriy Kotyk

“Eu disse... Vou defender a minha pátria”, acrescentou. “É melhor servir do que fugir.”

A Ucrânia proibiu a maioria dos adultos do sexo masculino de sair do país na sequência da invasão total da Rússia em Fevereiro de 2022. Entrevistas da Reuters com meia dúzia de jovens ucranianos, bem como com familiares, oficiais de recrutamento do Exército e funcionários, apontam para um dilema desolador que milhares de rapazes e as suas famílias enfrentam à medida que a idade adulta se aproxima: devem ficar ou partir?

Embora a maioria tenha ficado, alguns, como Biletskyi, optaram por ir para o estrangeiro para evitar qualquer possibilidade de ferimento ou morte nas trincheiras. À medida que a guerra se aproxima do seu terceiro ano, a Rússia está em vantagem e a Ucrânia está desesperada por reforçar as suas fileiras, que estão a envelhecer.

De acordo com dados da UE, mais de 190 mil rapazes ucranianos, com idades compreendidas entre os 14 e os 17 anos, registaram-se para obter o estatuto de protecção temporária nos países da União Europeia desde o início do conflito, entre milhões de pessoas que fugiram do país.

Embora a idade de alistamento militar a Ucrânia seja 25 anos, tendo sido reduzida de 27 na Primavera, existe uma pressão crescente por parte dos aliados no sentido de recrutar mais jovens, uma medida que Kiev tem rejeitado.

O secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, disse à Reuters na quarta-feira que a Ucrânia tinha decisões difíceis a tomar. “Pensamos, por exemplo, que é necessário trazer os jovens para a luta, e muitos de nós pensam assim. Neste momento, os jovens entre os 18 e os 25 anos não estão a combater”, afirmou numa entrevista.

O Exército ucraniano e o Ministério da Defesa não comentaram os pormenores do recrutamento para este artigo.

“Livrei-me de pensamentos infantis

Nem Biletskyi nem Kotyk estão arrependidos das suas escolhas.

“Pensei que me iria arrepender, se não fosse”, disse o primeiro, que estava cheio de medo à medida que se aproximava o seu 18.º aniversário. Recordou os preparativos angustiantes da sua família para fazer as malas e pôr-se a caminho.

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Roman Biletskyi foi estudar para Bratislava, capital da Eslováquia Reuters

“O tempo estava a passar”, acrescentou Biletskyi, que agora estuda Gestão de Empresas numa universidade em Bratislava, capital da Eslováquia. “Agimos sem qualquer emoção. Todos percebemos que eu tinha de ir.”

Kotyk tinha acabado o curso de Música antes de a guerra o obrigar a alistar-se no Exército com quatro amigos. A sua introdução à vida adulta foi a participação na libertação da cidade de Kherson, no Sul da Ucrânia, em finais de 2022.

“As duas primeiras missões militares foram muito, muito assustadoras”, disse o soldado de infantaria, que tem agora 21 anos. “Depois habituei-me.”

Reconhece que a guerra o mudou profundamente – “Livrei-me de pensamentos infantis” –, embora ainda tenha esperança de voltar à sua paixão de cantar, um dia, e de se casar. Disse compreender a razão pela qual muitos jovens decidiram abandonar o país e não os quis julgar, embora o êxodo tenha sido doloroso, porque os que ficaram para combater estavam cansados.

“Todos os rapazes estão muito cansados, todos precisam de ser substituídos.”

Alguns altos funcionários, incluindo o então ministro dos Negócios Estrangeiros, Dmytro Kuleba, criticaram abertamente os homens em idade de alistamento que vivem no estrangeiro, enquanto os seus compatriotas lutam e morrem pelo seu país.

Esta raiva reflecte um debate muitas vezes amargo na sociedade ucraniana sobre os direitos e os males de fugir do país durante uma guerra, aumentando a perspectiva de rancor e divisões quando a guerra acabar e os cidadãos começarem a regressar do estrangeiro.

Futuro em jogo?

A idade média dos soldados ucranianos é de 40 anos, segundo a embaixadora canadiana no país, Natalka Cmoc. Kiev não divulga esses dados.

O Exército precisa de mais combatentes jovens que possam trazer maior motivação e resistência à campanha, disse Volodymyr Davydiuk, um recrutador da famosa 3.ª Brigada de Assalto em Kiev.

“Combater para um homem de 40 anos e para um jovem de 20 são coisas muito diferentes”, acrescentou.

A brigada Khartia de Kotyk está a tentar aumentar o recrutamento entre os homens mais jovens que estão a chegar a uma encruzilhada nas suas vidas, como o fim do ensino secundário ou a conclusão da universidade.

Danylo Velychko, que trabalha no recrutamento da Khartia, disse que os jovens constituem apenas uma fracção da brigada, sendo a idade média dos candidatos superior a 32 anos.

A necessidade de mais pessoas não se limita às forças armadas na Ucrânia, onde viviam cerca de 41 milhões de pessoas antes da guerra, que matou dezenas de milhares de pessoas. A economia foi duramente afectada pelo conflito, com uma grave escassez de mão-de-obra, uma vez que os cidadãos vão para a linha da frente, as taxas de natalidade caem a pique e as pessoas fogem para o estrangeiro.

Nos primeiros seis meses de 2024, nasceram na Ucrânia 87.655 crianças, menos um terço do que as 132.595 nascidas no primeiro semestre de 2021, de acordo com dados estatais.

Quase sete milhões de ucranianos de todas as idades deixaram o país desde a invasão, de acordo com as Nações Unidas. Quase 4,2 milhões estavam sob protecção temporária da UE no final de Setembro.

Kiev está a tentar impedir a saída de mais pessoas e a incentivar o regresso dos que estão no estrangeiro. Na terça-feira, o Parlamento aprovou a nomeação de um vice-primeiro-ministro para chefiar um novo ministério para a unidade nacional, que irá trabalhar em políticas para trazer os cidadãos de volta, segundo o Governo.

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Roman Biletskyi com a família, na Eslováquia

Não é fácil convencer os cidadãos, com a Rússia na linha da frente, o sistema de energia da Ucrânia a ser destruído por mísseis e a incerteza quanto ao futuro nível de apoio ocidental após a vitória de Donald Trump nas eleições americanas.

Svitlana Biletska, a mãe de Biletskyi, de 18 anos, que estuda em Bratislava, conteve as lágrimas ao recordar o momento em que se despediu do filho, quando o comboio se afastou da plataforma da estação de Kiev, em Fevereiro. No entanto, está determinada a que ele não regresse tão cedo.

“Foi muito difícil tomar esta decisão, mas estou absolutamente confiante de que foi a correcta, porque o que está em causa é que ele tenha um futuro. Não consigo ver como é que isso seria possível em casa agora.”