A Coreia do Sul enfrenta uma crise política sem precedentes após o presidente Yoon Suk Yeol ter declarado a lei marcial no país, uma medida extrema que não era implementada desde 1979, após o assassinato do ditador Park Chung-hee.
A justificação do governo prende-se com supostas ameaças internas “pró-Coreia do Norte e anti-Estado” instauradas pelo partido democrático, que domina a maioria do parlamento. A decisão foi amplamente condenada não só pela oposição, mas também por vozes dentro do PPP, partido do presidente Yoon. A poucas horas da comunicação, desenrolaram-se protestos massivos em frente à Assembleia Nacional.
O comandante da lei marcial, Park An-su, relembrou que qualquer tipo de protesto está proibido enquanto o estado de emergência de prolongar, bem como actividades políticas e de associação. Os meios de comunicação Sul Coreanos também permaneceram sobre o controlo do governo de Yoon Suk Yeol. Após seis horas, a lei marcial foi levantada pelo voto consensual da Assembleia.
Este acontecimento inesperado levanta questões sobre os limites da autoridade presidencial, o risco para a democracia e as verdadeiras motivações por detrás desta acção. Este artigo pretende explicar o que antecede esta situação, o que revela sobre o sistema político Sul Coreano, e o que esperar do pós-lei marcial no país.
Em 2022, Yoon for eleito presidente da Coreia do Sul com a menor margem de sempre – apenas 0.7% o separaram de Lee Jae-myung, o líder do partido da oposição que domina a maioria do parlamento. Por essa razão, a agenda conservadora de Yoon não tem tido sucesso na Assembleia Nacional, já que a maioria dos projectos-lei aprovados têm sido da autoria do partido da oposição e de cariz liberal. Para além do difícil equilíbrio entre o poder legislativo e o poder do presidente, Yoon Suk Yeol esteve envolto em controvérsias de corrupção envolvendo a sua esposa.
Depois de dois anos de mandato, o balanço da prestação do presidente na opinião pública está progressivamente pior, sendo inclusive alvo de chacota nas redes sociais da Coreia do Sul. Yoon é comumente caracterizado como um líder fraco e impotente face ao partido da oposição.
Este contexto de instabilidade política justifica a acção de Yoon e deixa claro que as suspeições de interferência norte-coreana são provavelmente forçadas, utilizando o inimigo nacional para manchar a imagem da oposição sem suporte evidente. Na verdade, a declaração de Yoon parece ser uma tentativa de golpe de estado, que vai contra o seu próprio partido e a Constituição sul-coreana. O uso de uma justificação sem fundamento, o contexto de fraqueza presidencial, o peso crescente da oposição, tudo indica que a declaração da lei marcial foi utilizada como último recurso para tentar salvar o mandato de Yoon Suk Yeol.
O que nos diz este acontecimento sobre o sistema político sul-coreano? A democracia no país é comummente descrita como “incompleta”, nomeadamente pelo poder exacerbado e desproporcionado do presidente, pela ineficácia das políticas impostas em resolver os problemas do país, e pela falta de vigor do parlamento nas decisões.
Desde 2022, o contrário tinha vindo a registar-se com a aprovação de medidas do partido da oposição e à revelia do presidente. Como reacção a esta mudança da estrutura política, Yoon Suk Yeol vetou dezenas de projectos-lei para evitar o eclipse do partido conservador sobre o domínio do partido democrático. Esta lei marcial reforça o poder quase imperial do presidente, proveniente do legado confucionista do país, e chama a atenção para a necessidade de mudança deste sistema pouco democrático.
Para concluir este texto, e sem tentar prever o imprevisível, o que esperar do pós-lei marcial? Qualquer que seja a forma que vai dar termo à lei marcial, é claro que este abuso de poder por parte de Yoon Suk Yeol trará um debate necessário sobre a estrutura política na Coreia do Sul e fará repensar o equilíbrio de poderes no país.
Este acontecimento inesperado traz como novidade o uso do poder militar e da força para restabelecer o poder do presidente, algo que não sucedida desde os anos 1970. Esta clara tentativa de golpe de estado põe em risco a democracia já fragilizada da Coreia do Sul e pode desequilibrar a dinâmica de forças no Este Asiático, sendo a Coreia do Sul um estandarte do Ocidente numa zona de crescentes tensões.