Do Rabo ao Focinho está de volta e vai ao Norte conhecer o porco bísaro

A segunda edição da comitiva que junta brasileiros e portugueses em torno do porco acontece de 3 a 9 de Fevereiro e as inscrições estão abertas. O bísaro está em risco, alerta o organizador.

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Nesta edição da Comitiva Do Rabo ao Focinho, o porco bisaro vai estar no centro das atenções Paulo Pimenta
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O projecto Do Rabo ao Focinho está de volta a Portugal, com uma nova edição em 2025, que levará os participantes à descoberta de um país rural em risco de desaparecer. Quem quiser juntar-se à comitiva de 15 membros, ainda o pode fazer – a viagem (que desta vez terá um foco grande no Norte e no porco bísaro e no fumeiro) decorre de 3 a 9 de Fevereiro e custa 3300 euros com estadias, alojamento e refeições incluídas.

O produtor brasileiro Rafa Bocaína criou o projecto no Brasil, onde já teve várias edições, e em 2024 trouxe-o pela primeira vez a Portugal, com a colaboração de Carla Spironelo, que se tem dedicado também ao estudo destes animais. Em Novembro, os dois percorreram o país (e foram até Espanha para dar uma aula no Basque Culinary Center) com o objectivo de preparar a nova edição e, no final da viagem, revelaram à Fugas como vai ser.

“Ainda durante a comitiva passada, concluímos que devíamos ir ao Norte para olhar com profundidade as reminiscências rurais daquele lugar. É perfeitamente possível que alguns dos lugares que visitámos nos últimos dias já não estejam mais aqui dentro de pouco tempo”, diz Rafa Bocaína, que no Brasil trabalha com porcos crioulos e tem uma marca própria de produtos de charcutaria, a Curiango.

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Os organizadores da Comitiva do Rabo ao Focinho, Rafa Bocaína, Carla Spironelo e Joana Munné Arlei Lima

O que encontraram foi sítios “com a mesma verdade, a mesma autenticidade que existia há 100 ou 200 anos”. E o que ameaça esse mundo? “O estilo de vida moderno. Os filhos não têm intenção de continuar o negócio dos pais”, explica, recordando como foi “emocionante” visitar o restaurante Casa do Pedro em Vilarinho Seco, perto de Boticas, um dos locais que ainda resiste e que estará no caminho da comitiva.

“Ainda que ele não fizesse o presunto maravilhoso que faz, o pão maravilhoso, o vinho e o cozido barrosão mais icónico da região, entrar ali já bastaria, pela autenticidade.” Em Vilarinho Seco, Rafa e Carla encontraram “gente vivendo no campo de uma forma que não se vê mais” e essa "poesia” encantou-os.

Mas viram também coisas preocupantes. “O bísaro sofre hoje um processo de erosão genética e isso não está sendo discutido”, alerta Rafa. Há muita gente “a cruzar o bísaro com o porco duroc, que produz mais rápido, mas nós sabemos como é a carne dos porcos industriais, tem mais água e no final dá uma gordura de qualidade inferior”. O produtor brasileiro lamenta que o duroc “esteja na moda, porque o churrasco trouxe-lhe muita visibilidade e ele tem o marmoreio, mas isso não é tudo”.

Encontraram produtores como Manuel Pereiso, da Casa do Capador, em Vilarinho das Paranheiras, perto de Chaves, que são “verdadeiros heróis” na defesa do bísaro. Contudo, o quadro geral não permite grande optimismo. “Muitos produtores queixam-se da falta de valorização do produto por parte dos consumidores”, explica Carla. “Nas feiras, vêem-se pessoas que vendem os produtos como sendo porco bísaro mas percebe-se que não é, só que os compradores decidem pelo preço. A estratégia do Manuel, por exemplo, é dar a provar, porque assim vê-se a diferença”.

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Um dos momentos da Comitiva de 2024, na Herdade do Freixo do Meio Arlei Lima

Essa valorização é muito importante, defendem. “Se o porco bísaro estiver bem colocado no mercado, ele devolve dignidade ao pequeno produtor”, argumenta Rafa. “Quando olhamos para outros países da Europa, vemos casos de sucesso. Os franceses são muito bons nisso e vendem os seus produtos com um valor agregado brutal. Os luxos gastronómicos são, no fundo, singularidades do mundo rural. Quanto menor o território ou o número de pessoas a criar determinado animal ou planta, mais ele passa a ser do universo do luxo."

Mas nem só do Norte se fará a comitiva de 2025. O plano inclui também o Sul e, claro, o porco preto alentejano. Haverá uma matança (como já aconteceu na visita de 2024) em Alter do Chão, e uma visita ao Monte Silveira Bio (Ladoeiro, Idanha-a-Nova), um produtor que mostra como “para se manter a tradição é essencial ser-se inovador”. Outro objectivo é dar a conhecer o trabalho que está a ser feito por pequenos restaurantes do mundo rural, com jovens chefs, como o Forno de Jales (em Vreia de Jales, perto de Vila Pouca de Aguiar), que “está a trazer uma nova interpretação à tradição”.

Por fim, a Comitiva Do Rabo ao Focinho iniciou uma ligação a Espanha, com a aula que Rafa e Carla deram no Basque Culinary Center, e os dois admirem vir a explorar mais essa conexão no futuro. “Quando a gente fala do porco e desse universo de influência na América Latina, trata-se de uma influência ibérica”, sublinha Rafa. “O porco tem uma identidade cristã e isso existe na Península Ibérica como em nenhum outro lugar. É a ideia de ‘se eu não sou mouro, como porco’."

Em Inglaterra, por exemplo, “o porco é importantíssimo, mas não é igual”. E isso reflecte-se na cultura caipira no Brasil, onde existem as cavalhadas, que são encenações de batalhas entre mouros e cristãos e que acontecem no interior do país. “Em Goiás, por exemplo, a gente faz encenações de batalhas mouras como se fosse a nossa história. E sentimo-nos mais caipiras através dessa identificação com o porco.” Compreender melhor essas raízes e fortalecer estas ligações é o que motiva a Comitiva Do Rabo ao Focinho.

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