Há mais portugueses a investir e a entregar a profissionais a gestão de carteiras de vinhos
OENO já gere 5 milhões de euros em carteiras de vinhos para portugueses. Somos o terceiro mercado mais importante para a corretora britânica. Mas ainda há resistência e quem evite intermediários.
É apenas uma amostra, é certo, mas a única corretora especializada em vinhos a operar em Portugal, onde tem, desde o início do ano, escritório e uma equipa em permanência, já gere mais de 5 milhões de euros em carteiras de vinhos vinhos e whisky — uma tendência em crescimento, que no exemplo concreto vale 20% do 'bolo' —, para cerca de 500 clientes portugueses (em 2021, eram 90). Uma base que tem vindo a crescer. Quase a celebrar dez anos, a britânica OENO tem no nosso país o seu terceiro mercado mais importante, depois do Reino Unido e dos EUA, e prepara-se para arrancar por cá outro ramo de negócio, a OENO Trade, no próximo ano. Também estudou a possibilidade de ter em Portugal um entreposto fiscal, algo que para já estará afastado dos planos do grupo.
Quem intermedeia este tipo de investimento fala na segurança de "um bem físico", como acontece por exemplo com o mercado imobiliário, mas seja com receio dos riscos ainda assim inerentes, seja para poupar na comissão paga ao broker, há quem prefira fazer a própria gestão da sua garrafeira de investimento.
"Já passámos os 5 milhões de euros a nível de investimento. Posso dizer o nosso valor mínimo é 5 mil euros. É o mínimo para entrar. Temos desses clientes, são pessoas que querem investir ou querem começar com 5 mil euros, mas depois 75% ou 80% duplicam, triplicam e até quadruplicam [o investimento]. Diria que a média investe uns 15 ou 20 mil euros. E o maior cliente que tenho é de 1,6 milhões", disse, à Fugas, Tiago Stattmiller, líder de equipa da OENO em Portugal.
Portugueses com quem a OENO começou a criar uma relação há cerca de quatro anos, bem antes de abrir a sua delegação em Cascais. Meio milhar que investe sobretudo em vinho, mas não só. Cá, como lá fora, os clientes de corretoras como a OENO têm-se mostrado receptivos a comprar também whiskies, maioritariamente escoceses e irlandeses. Nos portefólios que gere para os seus clientes portugueses, a OENO introduziu o whisky "há cerca de um ano". "Apenas cerca de 10% ou 15% aceitaram ter whisky nos seus portefólios, mas gastaram um milhão", sublinhou o CEO do grupo, Michael Doerr, com quem a Fugas falou em Londres.
A OENO prevê fechar o ano com quase 120 milhões de euros em activos sob a sua gestão (há apenas cinco anos, esse número era pouco mais de 2 milhões de euros) e entre 21 e 23 milhões de euros em facturação, menos cerca de 7 milhões do que em 2023 ("a entrada de novos clientes tem desacelerado", diz Doerr). Portugal, onde o grupo prevê facturar "1,2 milhões de euros", andará taco a taco com Espanha, o mercado onde a OENO regista "o crescimento mais rápido". "O número de novos investidores e coleccionadores em Espanha atingiu um número recorde para nós este ano." O sucesso do outro lado da fronteira também explica — a par de uma menor carga burocrática, ao que parece — o porquê de a escolha de um local para abrir novo entreposto poder, afinal, vir a recair sobre o país de nuestros hermanos.
Austrália e África do Sul, países do chamado "novo mundo" do vinho mas produtores fortíssimos, são curiosamente novos mercados. Questionado sobre o decréscimo no consumo de vinho a que assistimos a nível mundial, Michael Doerr responde: "A entrada de novos clientes desacelerou um pouco este ano, mas quem já era nosso cliente está a investir mais dinheiro". Esses são os clientes da OENO Future, em cujos portefólios quase não entram vinhos portugueses.
Barca Velha, Casa Ferreirinha Reserva Especial, Júpiter — este último custava 1.000 euros quando foi lançado, hoje há quem ofereça 2000 e 2500 por uma garrafa, confidenciava há dias à Fugas um dos seus criadores, Cláudio Martins — e pouco mais. "Tudo o que fica raro, e seja luxo, fica caro. Nós não temos muitas referências em Portugal que façam esse caminho", nota Tiago Stattmiller.
No outro ramo de negócio, a OENO Trade, há cada vez mais restaurantes a comprar vinho à empresa e esses parceiros compram "mais stock do que nunca", partilha Michael Doerr. Para diversificar o negócio, e "promover o consumo", neste final do ano, a OENO, que tem de resto um espaço aberto ao público em geral — a OENO House, um hub para apreciadores de vinho — na City, no edifício da antiga Royal Exchange, vai estrear agora em Dezembro uma nova ferramenta: o e-commerce. Para já, apenas no Reino Unido, mas com intuito de a tornar global a partir do final de 2025. "Se um cliente no Canadá quiser uma garrafa de vinho que nós temos [sob a nossa gestão], poderá comprá-la a outro cliente nosso em Itália", exemplifica Doerr. "Onde o vinho está fisicamente não dará grande diferença. Pode demorar um par de semanas a chegar, mas a ideia é tentar ligar clientes de todo o mundo."
Em Portugal, o próximo desafio será a comercialização dos vinhos que a OENO tem sob a sua gestão, e que se encontram fisicamente no London City Bond. "Tentar trabalhar intensamente com restaurantes [de fine dining] e outros parceiros para levar stock para lá será interessante. E em 2026 ou 2027 queremos abrir uma OENO House em Portugal", relevou Michael Doerr. "Portugal e Espanha serão as próximas localizações. Não temos ainda certeza em qual dos dois países abriremos primeiro."
A corretora britânica prefere, diz Michael Doerr, apostar em Portugal do que ter "um projecto grande na América do Norte ou na Ásia". "Muitos negócios estabeleceram-se rapidamente na Ásia e a maioria falhou e perdeu muito dinheiro." Quatro anos é pouco para inferir um padrão de crescimento, mas Michael fala num 2023 "fantástico" e, já este ano, de um abrandamento. Em linha com o que se passa noutros mercados.
Que riscos corre o investidor?
Tiago Stattmiller fala num retorno para os seus clientes "de 10% a 15% de valorização média anual", o que significa, sublinha, que alguns vinhos podem valorizar "5%" e "outros vinhos 20%, 30%, 40%". A valorização do mesmo portefólio também não é igual todos os anos. "Certo, porque as médias são contadas para trás. E a maneira como se maximiza um portfólio é ir vendendo aos poucos. Os vinhos que estão a dar lucro é para vender, os outros é para esperar." A correctora cobra 10% sobre os lucros à saída.
E que riscos corre quem investe? "O maior risco é que uma garrafa caia no chão e se parta. Ou que o vinho possa estar estragado. Mas o nosso seguro cobre isso", responde Michael Doerr, que admite que este não é o mercado com maior liquidez."Eu comparo-o ao mercado imobiliário." Num e no outro, querer liquidar de repente e com ganhos é complicado. O investidor deve estar preparado para esperar, no mínimo, cinco anos, mas "não fica preso" a um prazo. "Se decidir simplesmente levantar uma garrafa e beber o vinho, é seu. A mesma coisa se surgir uma oportunidade [de o vender]."
É de resto esse o único momento em que este tipo de investimento paga algum tipo de imposto. No momento em que é levantado do entreposto. Se o investidor nunca levantar o vinho não paga outra fee a não ser a comissão devida ao broker (regra geral, as corretoras cobram entre 5% e 10%). O vinho fica depositado num armazém afiançado e só paga imposto quando sai para o consumo.
A origem dos vinhos, no caso da OENO maioritariamente das regiões vitivinícolas mais prestigiadas, como Champagne ou Borgonha, e tanto de casas reputadas como de novos e promissores protagonistas, poderia ser outro factor de risco. Não faltam histórias de burla neste meio. Mas no caso da corretora britânica, a compra é por norma ao próprio produtor ou ao seu distribuidor, sendo que a OENO também se fornece em leilões de casas conceituadas como a Christie's ou a Sotheby's, onde de resto também vendia os vinhos nos portefólios dos clientes. Evita comprar a coleccionadores ou outros particulares. E, no próximo ano, para a venda dos vinhos, passará a promover o seu próprio leilão. Mais uma vez, primeiro no Reino Unido, e mais tarde internacionalmente.
Perguntamos: não há, então, qualquer risco de eu perder todo o meu dinheiro? "Julgo que não. Pode acabar por ter de ficar com o vinho e abri-lo numa grande festa. Não há risco de perder todo o seu dinheiro, não. A não ser que o mundo inteiro decida deixar de beber vinho." Bem, é improvável, mas já estivemos mais longe. De acordo com Michael Doerr, no entanto, as quebras nas vendas de vinho até tem tem criado oportunidades: "Temos encontrado muita gente que, por precisar de liquidez, está a vender vinhos muito raros, de produtores renomados, a preços muito bons".
"Comprar duas caixas para beber uma"
A história de Michael de Mello, empresário e sócio em Portugal das Caves Transmontanas e da Quanta Terra, hoje a viver na Florida, diz-nos que sim, que é possível perder dinheiro a investir em vinho. Começou "a comprar vinho a sério com a colheita de 1982 de Bordéus". Vivia em Nova Iorque nessa altura e habituou-se a comprar champanhes e desenvolveu interesse também por espumantes americanos.
Mais tarde envolveu-se com uma corretora de Bordéus que veio a falir. "Tinha-lhe comprado vinho en primeur e a casa era um clube francês. Fui um dos credores, mas na altura como não havia activos para cobrir o valor dos créditos, pronto..." Perdeu "90 a 100 mil euros". "E essas histórias acontecem com alguma regularidade. A última talvez tenha sido uma casa em Nova Iorque, com um pedigree fantástico. Faliu porque terá vendido vinhos a clientes sem os ter obtido ou sem ter a garantia de que os conseguiria obter esses vinhos. Um bocado como, no mercado financeiro, a pessoa fazer uma venda a descoberto."
Apesar desse infortúnio, Michael de Mello continuou a comprar vinho, como investimento mas sobretudo para o beber e partilhar com família e amigos. "Eu bebo os lucros, não o faço para ter lucro financeiro, mas para usufruir de vinhos caros, arranjando uma forma de os tornar menos caros. Tipicamente, a minha ideia é comprar duas caixas, para vender uma."
Hoje compra vinho de duas formas: en primeur, mas directamente aos distribuidores das grandes casas, sobretudo de Bordéus e sempre as mesmas mas também da Califórnia, onde os produtores mais desejados têm lista de espera, e através de uma corretora, a Farr Vintners, de quem é cliente desde 1996 e onde tem uma carteira com "161 posições". Tem à volta de "8 mil garrafas", "um terço na corretora". "[Em valor] estamos a falar de um número com sete algarismos, mas baixo."
Já o médico e coleccionador de vinhos Flávio Alves, com uma paixão por vinhos do Porto vintage, prefere comprar directamente. Colecciona vinhos finos desde 1998 e até chegou a contactar uma corretora, por sinal a OENO, mas apenas para lhe vender alguns dos seus vinhos. "Eles não queriam os meus vinhos, queriam que eu comprasse os vinhos que eles tinham. Eu disse: não, já tenho vinho que chegue, não vou estar a investir em vinhos comprados [por um intermediário] já com margem de lucro. Na altura, eu queria fazer algum dinheiro para comprar outros vinhos." Para beber e partilhar. "A partilha é fundamental. Sozinho, não bebo."
Também vende alguns dos seus vinhos, mas raramente. Quando alguém o procura sabendo que pode ter garrafas deste ou daquele Porto raro. De resto, está perto da região que os produz, por isso, tem a sorte de poder lidar directamente com os produtores. "Os outros vinhos" — Barca Velha, Vega Sicilia, Pingus, 'Massetos', os Barolos de Giacomo Conterno, Petrus, Château Margaux e outros Bordéus... — compra "nos importadores, mas também em leilões". "Não tive até hoje qualquer problema."
E quanto vale a sua colecção? "Sinceramente não sei. Já lá foram várias pessoas e lançaram vários palpites. Costumo dizer que o valor é relativo."
A Fugas esteve em Londres a convite da OENO