Não sei ao certo em que momento, na vida de alguém, ocorre a primeira visita da nostalgia, mas tenho a sensação que só chega depois de uns bons anos vividos, quando revisitar o passado começa a fazer sentido.
O jardim-de-infância era um lugar onde o ar cheirava a plasticina e a lápis de cor, com copos de plástico coloridos e o nome de cada um de nós. Havia tantas bonecas como carrinhos, os tapetes eram macios e coloridos, e os tectos pareciam feitos à nossa medida. As auxiliares de educação descascavam a fruta com um cuidado especial e desempenhavam um papel tão fundamental quanto o das educadoras.
Nós, tal como a nossa educadora, a Laurinda, usávamos sempre uma bata, porque estávamos sempre à beira de nos sujarmos com lápis de cor ou com terra. Cada um tinha duas batas: os rapazes alternavam entre o azul e o verde, e as raparigas entre o rosa e o vermelho.
Não havia grandes exigências. A educadora limitava-se a observar o nosso comportamento, a ver se éramos amigos uns dos outros, se partilhávamos os brinquedos e se comíamos a sopa. Naquela altura, ninguém se preocupava em ser melhor que o outro, e saber escrever o próprio nome era apenas uma mais-valia.
Na escola dos grandes, tudo era diferente — senti isso logo no primeiro dia. Naquela sala, as mochilas coloridas contrastavam com as paredes brancas e o chão pálido. As cadeiras e mesas, que no infantário só usávamos quando estávamos cansados, agora eram o dobro do tamanho e, na escola, era obrigatório permanecermos sentados nelas. Já não partilhávamos lápis de cor nem brinquedos, pois cada um tinha agora o seu próprio material. Reinava um silêncio estranho enquanto nos tentávamos habituar ao cenário cinzento. Havia também outra grande diferença: agora tínhamos uma professora, que se mantinha quase sempre de pé à nossa frente e nos ensinou a escrever o nosso nome. Esse foi o momento mais marcante da primária, porque pude finalmente assinar os meus desenhos. Tínhamos também Estudo do Meio, onde aprendíamos sobre os animais e sobre o lugar onde vivíamos. As aulas de Português eram as minhas preferidas, especialmente quando a professora lia com entusiasmo. Já a Matemática, essa, era a disciplina que mais temia.
Apesar de gostar do que aprendia na escola, trocaria tudo num piscar de olhos pelo infantário, pelas folhas brancas soltas, pelas brincadeiras na relva com os meus colegas, pela bata cor-de-rosa, pela vista da janela para o jardim e pelo aconchego das cadeiras pequeninas. Trocaria a professora Ana, que nos ensinava a tabuada, pela educadora Laurinda, que nos ensinava a partilhar. A Laurinda, ao contrário da professora, não estava imóvel ao lado do quadro negro; ela estava sempre presente, em todo o lado.
O jardim-de-infância parecia cada vez mais distante. Se, no início, ainda procurava os lápis de cera e os puzzles, agora fazia testes numa sala silenciosa, onde pairavam o nervosismo e o receio de errar.
Fui fazendo o luto do infantário enquanto me diziam, de forma implícita, que já não tinha idade para brincadeiras, que agora a vida era mais séria e que tínhamos de lidar com o peso da responsabilidade e da mochila.
Quando entrei para a escola, que não foi assim há tanto tempo, ou pelo menos na minha escola, não havia muito espaço para brincadeira. Disciplinas como música, artes, teatro ou dança — que fomentam o desenvolvimento criativo, a coordenação motora, o autoconhecimento e a auto-estima, e que, acima de tudo, trazem leveza à criança — chegaram tarde demais e algumas nunca chegaram, especialmente às áreas rurais. As artes expandem o pensamento desde cedo, tornam-nos mais leves e ajudam-nos a expressar emoções, podendo até mudar o rumo da vida de muitas crianças, sobretudo se introduzidas numa idade precoce.
Fico feliz por saber que as coisas mudaram e que, hoje em dia, a maioria das crianças tem pelo menos educação musical e artes visuais. Espero que, um dia, estas disciplinas sejam valorizadas e essenciais, tal como todas as outras.