Ministro admite erros no cálculo da redução do número de alunos sem aulas e pede auditoria
Dados da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares mostram que, no final do 1.º período do ano passado, eram 3295 os alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina e não 20.887, como revelou Governo
Uma semana depois de ter garantido que o número de alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina tinha caído 89% face ao ano passado, o ministro da Educação, Fernando Alexandre, vem agora reconhecer que trabalhou sobre dados errados e que irá pedir uma auditoria externa a esses números que são da responsabilidade da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). Na sexta-feira passada, vários partidos acusaram o Governo de estar a "martelar" as estatísticas.
Desde que assumiu funções, em Abril passado, Fernando Alexandre fixou um objectivo para este ano lectivo: reduzir em 90% o número de alunos sem aulas a pelo menos uma disciplina até ao final do 1.º período. Para isso tem usado como referência dados de 2023, que indicavam que tinham sido cerca de 20.800 os alunos a terminar esse período nessa situação. Segundo as contas apresentadas no final da semana passada pelo Governo, esse objectivo estava já cumprido: haveria, então, 2238 alunos que ainda não tinham tido aulas a pelo menos uma disciplina desde o início do ano, menos 89% do que em idêntico período do ano passado. No entanto, o governante admite agora que esse número não é fiável e que o cumprimento desse objectivo não tem, afinal, a dimensão que pensava ter.
“Confrontado com dados contraditórios, o MECI [Ministério da Educação, Ciência e Inovação] considerou não existir fiabilidade na informação prestada pelos serviços sobre o ano lectivo de 2023/24, pondo em causa o rigor de todos os dados que têm vindo a público, incluindo o valor de referência escolhido pelo Governo para a avaliação do efeito das suas medidas, assim como os dados divulgados pelo ex-ministro João Costa”, admite o ministério num esclarecimento enviado ao Expresso.
Logo depois da conferência de imprensa da passada sexta-feira, o PÚBLICO pediu ao ministério de Fernando Alexandre os dados desagregados sobre o número de alunos sem aulas no ano passado, no período homólogo ao que foi apresentado na análise. No entanto, não obteve qualquer resposta.
Os números referentes aos alunos sem aulas no ano lectivo passado, e que o Governo tem usado para estabelecer comparações com o actual, têm sido contestados pelo seu antecessor no cargo, João Costa, e pela líder da bancada parlamentar do PS e ex-secretária de Estado da Educação, Alexandra Leitão, que argumentou que os 20.887 do ano lectivo passado, citados pelo ministro, correspondem ao universo total de alunos sem aulas, fosse essa uma situação prolongada ou temporária. E garantiu, à semelhança do que já fizera o ex-ministro João Costa em Setembro, que, em Dezembro do ano passado, havia uns 2000 alunos sem aulas desde o princípio do ano a uma disciplina.
Perante esta torrente de dúvidas e de informações contraditórias, a tutela anunciou agora ter pedido à DGEstE a “revalidação dos dados, de modo a verificar a informação usada pela actual equipa do ministério referente a esse período”. Segundo o Expresso, na nova versão da DGEstE, a 22 de Novembro de 2023 (a data de referência usada pelo ministério na sua apresentação) os alunos sem aulas desde o início do ano lectivo eram 7381. E, no final do 1.º período do ano lectivo passado, eram 3295 (e não os cerca de 20.800 a que o Governo tem aludido). Ou seja: bastante distintos dos que foram, em diversas ocasiões, apresentados pelo MECI.
Ao semanário, Fernando Alexandre lamenta ter indicado aqueles dados. “Se tivesse o conhecimento que tenho hoje das fragilidades dos sistemas de informação, não teria quantificado o objectivo [redução de 90%] por referência aos elementos do ano passado”, disse, acrescentando que os dados lhe tinham sido apresentados e que, “ao longo de várias semanas de trabalho e reuniões”, nunca foram postos em causa pelos serviços.
Fernando Alexandre avançou ainda que decidiu pedir uma auditoria externa aos dados sobre os alunos sem aulas no passado ano lectivo. “O primeiro objectivo é fazer uma avaliação independente para ver se é possível ter dados fidedignos a partir do sistema de informação que temos”, notou, sublinhando ainda que não tomará nenhuma decisão sobre a continuidade do director-geral dos Estabelecimentos Escolares até conhecer os resultados da auditoria.
IL quer ouvir o ministro
A Iniciativa Liberal requereu esta quinta-feira a audição urgente do ministro da Educação, após o governante ter reconhecido que os números em que se baseou para avançar que havia menos 90% de alunos sem aulas não são fiáveis.
Num requerimento dirigido à presidente da comissão parlamentar de Educação e Ciência, a deputada do Chega Manuela Tender, a Iniciativa Liberal lembra que, na semana passada, o ministro comunicou ao país "que tinha sido alcançada uma redução de 89% de alunos sem aulas uma vez, a uma disciplina", durante o 1.º período. A IL salienta que, "perante a indignação e alerta de partidos e sindicatos, foi clarificado que os números eram verdadeiros e correspondiam a critérios próprios, designados de períodos longos, ou seja, mais de 60 dias sem aulas, uma vez, durante o 1.º período, a uma disciplina".
"À data de hoje, o senhor ministro da Educação, Ciência e Inovação vem desmentir os números com que se comprometeu nem há uma semana, alegando engano na base de dados, à qual irá desencadear uma auditoria", lê-se. Para a IL, "desde o início do ano lectivo, os números avançados pelo senhor ministro da Educação, Ciência e Inovação têm sido recorrentemente imprecisos e alvo de correcção posterior".
"Desta forma, por considerar que é necessário um esclarecimento completo sobre os dados que têm sido divulgados relativamente ao cumprimento do Plano +Aulas +Sucesso, que não pode aguardar mais, o Grupo Parlamentar da IL vem requerer a audição urgente do senhor ministro da Educação, Ciência e Inovação", lê-se.
Texto actualizado às 22h16 com a IL a pedir a audição do ministro