Cartas ao director
Gouveia e Melo
Nos últimos dias, vários foram os artigos difundidos pela comunicação social sobre a potencial candidatura a Presidente da República do almirante Gouveia e Melo. As menções ao “desconhecimento do pensamento político” do visado e o alegado “desajuste”, nos tempos que correm, da condição de militar para o cargo são despropositados e, até, ofensivos. Nenhum cidadão deverá ser criticado, como tem sido de modo grosseiro, por se candidatar ao cargo desde que satisfaça os requisitos constitucionais. Na fase que antecede a eleição, existirá tempo para se inquirir, em termos relativos, as qualificações dos diversos candidatos.
Em Portugal, a experiência do exercício dos diversos cargos de alta responsabilidade por personalidades com décadas de experiência política não garante, de modo nenhum, que tenham um “pensamento político” e que esse longo curriculum seja garante de competência e sucesso no cargo. Em regra, nos tempos que correm, a carreira militar de um oficial de elevada patente, com mais de 40 anos de serviço efectivo, passa por experiências muito diversificadas que são claramente uma mais-valia para quem, posteriormente, se decida por exercer cargos políticos ou outros na sociedade civil.
Victor Gonçalves de Brito, Cascais
Presidenciais
Surgem já comentários e análises sobre as presidenciais. Sabemos que só um terço da população confia moderadamente no Governo; menos de um quinto confia nos partidos políticos e não muitos mais confiam no Parlamento. Não chegam a metade os portugueses que estão globalmente satisfeitos com os serviços administrativos do Estado. E corre a ideia de que os políticos se entretêm em jogos de palavras na AR em vez de se dedicarem a resolver os problemas há muito identificados. Assim, quem quiser concorrer deverá ser alguém que não seja visto como enfeudado a um partido político e que tenha um currículo de fazedor, o que explica porque Gouveia e Melo esteja a ser bem aceite; não é como “eles”, dizem.
Ricardo Charters-d’Azevedo, S. Pedro do Estoril
Rui Moreira à Presidência?
Findo o terceiro mandato como presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira não pode voltar a candidatar-se. Não foi para o Parlamento Europeu, alegadamente, por discordância de posicionamento na lista do PPD/PSD. Agora que tantos, essencialmente às direitas, e um muito fraco à esquerda, civis e militar, se perfilam a candidatos a Belém, Rui Moreira sugere a ida do actual Presidente da Assembleia da República. E porque não concorre este, uma vez que se lembrou agora, de propor um nome e do partido pelo qual poderia ter concorrido a Bruxelas se fosse, alegadamente, no primeiro lugar? Pode ter, até por isso, apoios excepcionais do primeiro-ministro ou até candidatar-se como independente. Será uma hipótese?
Augusto Küttner de Magalhães, Porto
António Barreto e o 25 de Novembro
Parece que todos têm o "seu 25 de Novembro" e reivindicam esse seu direito. Seja! Eu também tenho o "meu", a partir do muito que li, comparei, excluí ou adoptei. Continuo com muitas dúvidas, mas há alguns dados indesmentíveis. Os acontecimentos de 25 de Novembro não surgiram por geração espontânea e são inseparáveis do PREC e de todos os seus excessos, crenças revolucionárias mais ou menos genuínas, mas igualmente de movimentos contra-revolucionários. É, por isso, lamentável que António Barreto, no seu texto de dia 23, se vincule a uma tese bastante discutível do ponto de vista factual que conceptualiza a situação à data de forma radicalmente maniqueísta: de um lado o diabo, os comunistas e os revolucionários; do outro, os puros amantes da liberdade e da democracia.
Não me debruçando sobre as narrativas relativas ao que sucedeu nesse dia histórico (aí estão muitas das dúvidas ainda persistentes) e aceitando de barato os vencedores, contesto o cronista quando concede que havia uma minoria saudosa do antigo regime, mas que esses também teriam direito à vida democrática. Para Barreto, supõe-se, quem esteve por trás do 11 de Março numa tentativa de golpe de Estado (que acelerou o PREC), quem andou a perpetrar atentados bombistas de que resultaram mortos (o que se estendeu, já depois da "democratização", por 1976 dentro, inclusive à data da Constituição) e que nunca foi responsabilizado judicialmente por isso, quem assaltou criminosamente sedes de partidos de esquerda era certamente um democrata convicto, com direito à vida livre porque lutava contra os perigosos revolucionários.
Custódio David, Lisboa