Azul
Cuidar das nossas cidades é remédio santo também para as pessoas
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Esta quarta-feira foi dia de festa para o Azul: reunimo-nos no Convento São Francisco, em Coimbra, com alguns dos nossos leitores (muitos também à distância) para mais uma Conferência Cidade Azul, este ano dedicada ao tema "Clima e Saúde". Painéis de debate, gravação de podcast, intervenções para conhecer um pouco sobre a acção local e ainda workshops para explorar como podemos tornar mais saudáveis as cidades e as pessoas que nelas vivem.
Começamos a manhã com um painel sobre refúgios de calor: espaços como pavilhões desportivos, estações de metro, museus, bibliotecas, igrejas e, claro, jardins, onde as pessoas podem procurar abrigo nos momentos de temperaturas extremas. Como explicou a investigadora Ana Terra Amorim-Maia, do Basque Centre for Climate Change, os refúgios são apenas uma peça - uma medida de emergência - no grande puzzle da adaptação. "A cidade inteira deve funcionar como um refúgio climático", lembrou a investigadora, que reforçou a importância de incluir a participação cidadã nos processos de planeamento das cidades. "A adaptação precisa de ser adaptável ao contexto local - e incluir pessoas com conhecimento local."
Foi também esta a mensagem de Hélder Lopes, da Universidade do Minho: "Não adianta criar soluções pontuais, as soluções não podem ser à la carte. Nem tudo é uma solução para determinado território." Os refúgios de calor, explicava, devem ajudar a resolver problemas estruturais da sociedade - e, já agora, das nossas cidades, procurando soluções criativas para substituir os modelos antiquados de "cidades duras e cinzentas", forradas a alcatrão. "Precisamos de cidades vivas", lembrou Hélder Lopes.
António Carmo Gouveia, da Universidade de Coimbra, também bateu na tecla da inclusão - e, para isso, precisamos de mais literacia. O antigo director do Jardim Botânico de Coimbra recordou que os jardins são refúgios de calor dos mais inclusivos, mas precisamos de pensar que jardins queremos construir para as nossas cidades. Que árvores vão resistir às próximas décadas de seca e mudanças do clima que se esperam para a Península Ibérica?
Cidades doentes, pessoas doentes
O segundo painel, sobre desafios do urbanismo face às alterações climáticas, continuou a reflexão sobre como precisamos de cuidar das nossas "cidades doentes" para cuidar da saúde delas - e também da nossa.
Anabela Ribeiro, coordenadora da Licenciatura em Gestão de Cidades Sustentáveis e Inteligentes na Universidade de Coimbra, falou sobre como as cidades são organismos complexos, com os seus sistemas circulatório, respiratório, digestivo. "São como nós - e, como nós, adoecem." A cura também passará pela participação e envolvimento das comunidades locais, que nos dizem, por exemplo, que querem andar mais a pé e usufruir dos espaços. Dando o exemplo da mobilidade, Anabela Ribeiro explicou como é possível optimizar o uso do automóvel individual, cujo acesso ao centro das cidades pode ser limitado para abrir mais espaço para a mobilidade pedonal, ciclável e mais transportes públicos e partilhados.
Ana Mesquita, da Associação Nacional de Coberturas Verdes, lamentou que tenhamos afastado a natureza das cidades, mergulhados nas infraestruturas cinzentas das nossas selvas de alcatrão. "A natureza é a nossa maior aliada", ressaltou, notando que as soluções com base na natureza (nature-based solutions), que imitam processos naturais, são uma oportunidade de trazer não apenas serviços dos ecossistemas, mas também benefícios económicos.
O arquitecto João Pedro Costa, da Universidade de Lisboa, começou por lembrar o atraso que é preciso recuperar nos processos de adaptação, que durante algum tempo ficaram para segundo plano: "Antes, falar em adaptação era assumir que a mitigação estava a falhar." Agora, tornou-se imperativo, e esse processo de adaptação não poderá ser feito sem juntar diferentes saberes. "No final do dia, os problemas não têm disciplinas", recordou, apelando a soluções holísticas e evitando receitas decalcadas de outros locais.
"Temos que fazer o futuro já"
As soluções vão surgindo, como enumerou Paulo Barbosa, do Joint Research Center da Comissão Europeia, ao falar da análise feita às propostas feitas por autarcas que assinaram o Pacto das Autarquias para o Clima e Energia. Contudo, ainda assim, mantém-se um desencontro entre as prioridades identificadas, como o impacto na saúde, e as "soluções climáticas" efectivamente propostas nos planos municipais.
Não poderíamos deixar de falar sobre uma última conversa sobre o inimigo impossível de escapar na vida das cidades: a poluição. Susana Fonseca, da associação Zero, e Paula Sobral, do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente, explicaram como estamos rodeados de dois poluentes particularmente nocivos: as substâncias perfluoroalquiladas (PFAS), uma vasta família de substâncias químicas sintéticas, e os microplásticos.
Numa conversa viva, fomos ouvindo como a legislação tem avançado lentamente, muitas vezes atrasada pela influência das indústrias. A solução, tanto para os plásticos como para os "químicos eternos", é mesmo não poluir, ou seja, limitar a sua produção. "Os políticos estão mais abertos a ouvir empresas que não se estão a mover do que as que estão a fazer mudanças", lamentou Susana Fonseca, da Zero.
Mas foi com um sentimento de optimismo que saí da nossa Conferência Cidade Azul (que pode voltar a assistir no YouTube), depois de ouvir tantas pessoas que investigam e actuam no terreno para procurar soluções para os problemas das nossas cidades doentes. Afinal, "não estamos a salvar o planeta, mas a nós mesmos", recordou João Pedro Costa. Esta urgência, contudo, pode ser resolvida de forma criativa, ligando a ciência à população, unindo áreas de conhecimento para encontrar soluções criativas, procurando uma ecologia de saberes. Afinal, como afirmou Ana Mesquita, "temos que fazer o futuro já".