Nos últimos anos, tem-se observado um fenómeno preocupante no tecido científico mundial: a pressão crescente para publicar mais, e mais rapidamente. Esta demanda tem gerado uma produção excessiva de artigos científicos que não se traduz necessariamente em descobertas inovadoras. O ritmo de publicação científica em algumas áreas do saber é alucinante, com investigadores a publicar um estudo a cada 37 horas. Nunca se produziu tanto conhecimento em tão pouco tempo… mas a que custo?
Numa tentativa de acompanhar o passo acelerado a que o mundo marcha, a ciência está numa espiral assoladora de produção maciça de conteúdo. E, embora à primeira vista pareça que mais publicações científicas signifiquem maior progresso, a verdade é que esta corrida pela produtividade está a comprometer a qualidade da investigação, as carreiras dos investigadores e o futuro do conhecimento. Não só existe mais investigação em todo o mundo como, muitas vezes, os investigadores dividem os seus trabalhos em várias publicações menores para responder à pressão de publicar e manter um "histórico científico activo”.
Como resultado, a ciência acaba por estar fragmentada e diluída num oceano de artigos, o que dificulta a integração de conhecimento e a identificação de descobertas transformadoras. Novamente, este ambiente de "hiperprodução" afecta não só o progresso científico, mas também gera um ciclo vicioso, onde os investigadores sentem que precisam de publicar incessantemente para garantir financiamento, ter reconhecimento e progredir nas suas carreiras.
Esta cultura insana de “desempenho e resultados”, refém da urgência do presente em que vivem os cientistas e as instituições, é incompatível — e até inimiga — de uma ciência vanguardista e sólida, com rigor científico e reprodutibilidade. O facto de cada vez mais se privilegiar quantidade em detrimento de qualidade, incentiva a colheita de dados de forma apressada ou incompleta, aumenta o risco de disseminação de resultados mal revistos ou irreproduzíveis e pode até conduzir a fraude científica e graves violações éticas. Todos estes factores prejudicam enormemente o avanço da ciência a longo prazo.
E isto é só a ponta do iceberg. A esta cultura de "publish or perish" (isto é, publicar ou perecer) acrescentam-se prazos incomportáveis e um sistema de publicação científica doente que, apesar de garantir os serviços mínimos de escrutínio científico, lucra milhões de euros anualmente à custa do esforço dos investigadores e dos impostos pagos pelos contribuintes.
É um ambiente perverso que atinge, inevitavelmente, todas as gerações de cientistas, em particular as camadas mais jovens, não só a nível profissional como pessoal. Ser constantemente confrontado com expectativas irrealistas e metas inatingíveis pode afectar o chamado dado ser tão tentador ceder à pressão de fazer mais, para ficar à tona no meio do oceano.
Há, portanto, uma necessidade urgente de remodelar a forma como se faz ciência e como se avalia o sucesso académico e científico, em Portugal e no mundo. Apesar de se notar uma mudança gradual, resultante da frustração da comunidade académica com o actual status quo, estamos ainda muito longe de um ponto de equilíbrio.
É preciso dar tempo e espaço aos cientistas para reflectirem, testarem e reverem as suas hipóteses científicas e explorarem novas abordagens e metodologias. Tempo para falhar, repensar e experimentar. Abraçar este novo conceito de "produtividade lenta", que defende que a ciência de qualidade não pode ser medida por prazos absurdos ou por metas arbitrárias. Deve ser priorizado um modelo que estimule a liberdade criativa e o pensamento crítico, o rigor e a originalidade, e que promova trabalhos meticulosos e de longo prazo, com potencial para gerar impacto real e duradouro.
Compreender e descodificar processos complexos, gerar conhecimento e encontrar soluções inovadoras exigem muita dedicação e tempo, por vezes décadas. Por isso, é imperativo que o sistema científico mundial sofra uma reforma nos próximos anos. A ciência de qualidade deve ser construída em alicerces sólidos que não estejam à mercê de um sistema que pressiona os cientistas para publicar constantemente e que sufoca a inovação e o futuro do conhecimento.