Castelão Extreme, vinhos para a posteridade
A Comissão Vitivinícola Regional da Península de Setúbal acaba de anunciar uma nova categoria para destacar um dos grandes tesouros do território: os tintos de castelão provenientes de vinhas velhas.
Pergunte-se pela casta a qualquer enólogo ou produtor da Península de Setúbal e abre-se uma torneira de elogios. Numa conversa anterior com a Solo, Jaime Quendera, que tem sob sua alçada os vinhos da Adega de Pegões, da Casa Ermelinda Freitas, da Filipe Palhoça e de várias outras casas da região, sublinhou: “É produtiva, é resistente, adaptada ao solo e ao clima”, acrescentando também a vantagem logística de ser a última uva tinta a ser vindimada, “o que ajuda na logística de adega”.
Sem pensar muito, aponta-a também como “de longe a casta mais bem adaptada a estes solos”. Entenda-se, por “estes”, os solos arenosos do triângulo que se estende entre Pinhal Novo, Pegões e Marateca. Chão frágil e pobre, onde fica à vista a lei darwiniana da sobrevivência dos mais aptos. É nessa área que ficam as vinhas de Nuno Palhoça (Filipe Palhoça Vinhos), que corrobora a ideia de resiliência, indicando o castelão como elemento histórico e, simultaneamente, de futuro, perante a ameaça da crise climática. “É uma casta resistente”, assegura.
O local de onde foi trazida a casta é assunto de debate, mas as várias hipóteses coincidem num nome, José Maria da Fonseca, que em meados do século XIX provocou o momento-fundador: com as varas de castelão que trouxe desse tal sítio sobre o qual não há certezas absolutas, plantou a vinha da Cova da Periquita.
A partir daí, ter-se-á disseminado pela região. João Palhoça, enólogo da Adega Fernão Pó, presume que “alguém terá notado que a vinha da Periquita produzia muito bem e usou varas dessas videiras para plantar as suas vinhas”, disse no contexto de uma visita da Solo em 2023. Com o passa-a-palavra, continua Palhoça, “provavelmente, a casta foi-se expandindo organicamente pelos arredores e acabou por se alastrar à região”.
Hoje, o castelão é um elemento identitário da região. Ainda que seja uma das castas mais plantadas em Portugal, assumindo também as designações João de Santarém (Tejo) e trincadeira (Bairrada), tem a sua maior expressão na Península de Setúbal, onde estão 40 por cento dos mais de nove mil hectares existentes no país Segundo contas da Comissão Vitivinícola Regional (CVRPS), corresponde a 60 por cento das uvas da região, com particular incidência nas areias do município de Palmela.
Dentro desse considerável volume, porém, desde há muito tempo se tem elogiado uma gama específica de vinhos, voltados não para o campeonato das quantidades, mas para o das baixas produções, da contenção enológica, do apuramento da expressão do terroir.
Esses castelões especiais provêm de vinhas velhas, isto é, com mais de 40 anos, plantas que parecem magníficas esculturas orgânicas, de raízes bem consolidadas nos fundos argilosos que se escondem por debaixo do manto de areia. No caso da Herdade de Pegos Claros, esta longevidade atinge o patamar impressionante dos 70 anos, isto nas vinhas mais novas – as mais antigas rondam já o século de vida.
O que daí resulta, mediante a correcta interpretação da casta, são vinhos finos, de boca delicada e sedosa, com bom potencial de envelhecimento e, não menos importante, capacidade para a diferenciação.
Perante este filão, a CVRPS anunciou, em Novembro deste ano, a criação da nova categoria Castelão Extreme, com vista a “preservar e valorizar as vinhas velhas da casta Castelão, em que a região é pródiga”, segundo se pode ler no comunicado. Esta designação, registada como marca, só poderá ser utilizada em vinhos provenientes de parcelas de vinha integralmente de castelão, com idade igual ou superior a 40 anos.
O vinho, por seu lado, terá de cumprir um estágio mínimo de 36 meses, doze dos quais, pelo menos, em garrafa. O que significa que, para conhecer os vinhos com a marca colectiva Castelão Extreme, será preciso paciência. Mas o que são dois ou três anos de estágio, quando as vinhas já estão a trabalhar nisto há mais de 40 anos?
Este artigo foi publicado no n.º 8 da revista Solo.