Mente sã em corpo são: saúde metabólica pode transformar tratamento psiquiátrico

Pesquisas recentes apontam que condições associadas ao adoecimento metabólico, como resistência à insulina, inflamação e estresse oxidativo, podem estar na raiz dos transtornos mentais.

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Estima-se que um bilhão de pessoas convivam com transtornos mentais, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) — uma em cada oito pessoas no planeta. Estamos diante de uma epidemia que exige respostas urgentes na saúde pública e na sociedade. Mas o que a Medicina pode oferecer para transformar esse cenário?

O reconhecimento da psiquiatria como área médica é relativamente recente: a partir no final do século XVIII. As bases para as classificações diagnósticas atuais e para as técnicas de psicoterapia que usamos foram estabelecidas entre o final do século XIX e o início do século XX. O estágio contemporâneo da prática psiquiátrica tomou forma a partir dos anos 1950, com a descoberta dos primeiros psicofármacos, que revolucionaram o tratamento dos transtornos mentais.

Apesar dos avanços, uma questão essencial permanece em aberto: afinal, o que causa os transtornos mentais? O entendimento predominante é o “modelo biopsicossocial”, que, como o nome sugere, considera uma interação complexa entre componentes biológicos, psicológicos e sociais na origem e na evolução dos transtornos.

Alguns fatores de risco são conhecidos, como predisposições genéticas (bio), características emocionais (psico) e condições socioeconômicas (social). Contudo, como esses elementos se combinam para desencadear um determinado quadro de adoecimento psíquico, ainda é, em grande parte, uma incógnita. O diagnóstico psiquiátrico é, essencialmente, sindrômico: agrupam-se sintomas e dá-se um nome para descrever situações específicas.

Os tratamentos psiquiátricos buscam, em regra, aliviar os sintomas, não curar. Psicofármacos e outras intervenções (como eletroconvulsoterapia e estimulação magnética transcraniana) têm como objetivo reduzir o sofrimento mental, sem tratar uma causa subjacente (embora a abordagem de fatores psicossociais seja parte crucial do tratamento, geralmente, não é considerada prática médica em sentido estrito). Apesar de beneficiarem milhões de pessoas diariamente, esses tratamentos nem sempre são eficazes: ao menos 30% dos pacientes com depressão, por exemplo, mantêm sintomas após o tratamento.

Esse cenário parece estar prestes a mudar. Pesquisas recentes apontam que condições associadas ao adoecimento metabólico, como resistência à insulina, inflamação e estresse oxidativo, podem estar na raiz dos transtornos mentais. Estudos epidemiológicos indicam uma ligação entre transtornos mentais e doenças relacionadas à síndrome metabólica, como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares. A presença de qualquer uma dessas condições aumenta o risco de transtorno mental e, reciprocamente, pessoas com transtornos mentais têm maior risco de desenvolver síndrome metabólica.

Com esse novo entendimento, cresce o interesse clínico e científico na interseção entre saúde metabólica e saúde mental. Práticas que promovem a melhora do estado metabólico, como a higiene do sono, exercícios físicos e o controle do estresse — muitas vezes, usadas de forma superficial nos tratamentos convencionais — ganham relevância ainda maior para a saúde mental. Intervenções metabólicas focadas na redução de açúcar, ultraprocessados e carboidratos refinados na dieta também mostram potencial para melhorar tanto a saúde cerebral quanto o bem-estar geral.

À primeira vista, parecem medidas simples. Afinal, mudanças no estilo de vida são, há tempos, reconhecidas como essenciais para a melhoria das condições de saúde. No entanto, a prática cotidiana ainda está longe de refletir essa consciência. Com o aumento simultâneo e acelerado tanto dos transtornos mentais quanto das doenças metabólicas, é urgente que comecemos a adotar essas abordagens de forma mais consistente e eficaz.

Esse texto foi escrito pelo doutor Daniel A. Dourado, médico psiquiatra, mestre e doutor em Medicina Preventiva e Saúde Coletiva pela Universidade de São Paulo (USP), como convidado da colunista.

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