Thierry Neuville, um campeão mundial de ralis ao ralenti
Depois de ter ficado em segundo no Mundial por cinco vezes, o belga superou o drama do Japão para arrebatar o título na 17.ª classificativa, onde Ott Tänak capotou e entregou os pontos.
Thierry Neuville perdeu ainda este sábado, no Japão, o título de “eterno segundo” do WRC, que lhe granjeava uma certa aura de Poulidor dos ralis, sagrando-se, finalmente, campeão do mundo, depois de ter sido “vice” no Mundial de pilotos por cinco vezes.
Após uma sexta-feira dramática, Neuville viu o companheiro de equipa e rival Ott Tänak capotar mesmo no fim da SS17 (já na manhã de domingo no Japão) e assim perder os 18 pontos de sábado e as hipóteses de discutir o título.
E foi desta forma que o belga, de 36 anos, filho do ex-piloto Alain Neuville – uma espécie de tradição familiar, como se comprova pela paixão dos irmãos (também pilotos) – pôde respirar de alívio e despistar a maldição.
Para tornar-se no primeiro campeão belga de WRC, Neuville teve primeiro que superar o drama vivido no asfalto traiçoeiro do país do Sol Nascente, onde aterrou com 25 pontos de vantagem e a sensação de que, desta vez, nada nem ninguém poderia roubar-lhe a coroa, mesmo sabendo que Carlos Sainz perdeu o título de campeão mundial de 1998 para Tommi Mäkinen, com o motor partido a 300 metros da meta do RAC e com o finlandês, depois do abandono (acabou em três rodas), já a caminho de casa.
Um sonho que Neuville perseguia desde 2013, ano em que, ao volante de um Ford Fiesta RS, chegou ao topo da cadeia alimentar dos ralis apenas para ser batido pelo campeoníssimo Sébastien Ogier.
Mas na 13.ª e última prova do Campeonato do Mundo, a ameaça não vinha do francês oito vezes campeão do mundo, mas sim do companheiro de equipa Ott Tänak, que ainda acreditava conquistar este ano um segundo título, depois de em 2019 ter superado o próprio Thierry Neuville para conquistar o Mundial.
A verdade é que no lançamento do Rali do Japão, por mais voltas que a matemática desse, as contas do título pareciam chegar sempre ao mesmo resultado. A menos que o azar batesse com força à porta do belga.
E foi precisamente isso que aconteceu logo no primeiro dia, depois de Neuville até ter sido o mais rápido na segunda especial (SS2), na primeira passagem pelo túnel Isegami. A meio da quarta especial, Neuville ficou sem potência e sem perceber qual era o problema, que mais tarde percebeu ter sido uma falha do turbocompressor.
E foi assim, literalmente ao ralenti, que Thierry Neuville perdeu quase oito minutos até ao fim do dia, em apenas seis classificativas, caindo para o 15.º lugar, sem direito a pontuar. Conquistar os seis pontos que o separavam do título dependia do que a Hyundai fosse capaz de fazer para recuperar o i20 do piloto belga.
Para adensar o cenário que se colocava perante Neuville, o único piloto que poderia roubar-lhe a coroa estava a voar, em primeiro, com apreciável vantagem para o segundo e já com o terceiro classificado sem grandes ilusões quanto ao triunfo.
Tänak começava a pensar que ainda ia a tempo de suceder ao bicampeão Kalle Rovanperä, mas Neuville tinha organizado uma caçada para sábado, dia em que escalou até à sétima posição, o que lhe garantia 4 pontos caso levasse o Hyundai até à meta no dia seguinte.
Até lá, tanto os 18 pontos de Tänak (218) quanto os quatro de Neuville (229) eram apenas virtuais. De qualquer forma, o estónio ainda tinha que assegurar 11 (caso vencesse, passaria a ter três triunfos contra dois do belga) ou 12 pontos no “Super Domingo”, que distribuía um máximo de 12 (7 das especiais mais 5 da “power stage”).
A Neuville bastaria somar dois pontos e chegar ao fim no último dia, um cenário bem diferente do que o belga enfrentara na sexta-feira, especialmente depois de ter iniciado o ano com um triunfo em Monte Carlo, o que, perante as opções de Kalle Rovanperä e Sébastien Ogier competirem em regime de “part time” colocava o belga na “pole” para o título de 2024.
Mas nada disso foi necessário e Neuville acabou por sagrar-se campeão na estrada, ainda com a SS17 a decorrer, assim que recebeu a notícia de que Tänak estava fora de prova.
“Tive muitos contratempos ao longo da carreira, pelo que aprendi a manter a calma e a lidar com todas as situações. O melhor que se pode fazer nestas circunstâncias é reagir e contra-atacar como fizemos”, disse Neuville ainda antes de ter garantido o primeiro título.