Marta Sternberg já tinha reparado que os bancos de muitas das paragens de autocarro em Lisboa estavam mais pequenos. Não haver lugar para todos se sentarem chegou a ser tema de conversa entre o colectivo Infraestrutura Pública, até terem reparado noutra coisa: depois das obras na cidade, muitas das paragens ficaram sem bancos.
Em alternativa, foram substituídos por encostos, mas nem todos (ou muito poucos, segundo os depoimentos que o grupo recolheu) os conseguem utilizar.
Na quarta-feira, dia 20 de Novembro, decidiram colocar um banco de madeira numa das paragens da Avenida Fontes Pereira de Melo, uma das mais movimentadas da cidade, e passaram o dia atentos às reacções das pessoas.
“Eu ando de autocarro e uso estas paragens. Pensei que com as obras iam melhorar, mas depois percebi que só vieram atrapalhar e piorar o dia das pessoas porque tiraram coisas básicas. Não fizemos o banco de madeira porque nos apeteceu. É uma coisa que sempre tivemos e que, de um ano para o outro, desapareceu”, explica Marta, em entrevista ao P3.
O banco de madeira — que muitos acreditaram ser definitivo — tem capacidade para acomodar três pessoas. Segundo Marta, entre as 7h30 e as 20h30, tempo em que os elementos do Infraestrutura Pública estiveram na paragem, foram centenas as pessoas que se sentaram à espera do autocarro, muitas delas com mobilidade reduzida.
Mas na quinta-feira de manhã, quando a jovem de 27 anos regressou à paragem, o banco tinha desaparecido. “É demasiado pesado para alguém o roubar a pé ou de carro. Precisámos de duas pessoas e uma carrinha para o pôr na paragem”, afirma.
Com esta intervenção, o colectivo exige que a Câmara Municipal de Lisboa reponha todos os bancos das paragens de autocarro que foram substituídos por encostos.
Esta não é a única intervenção do Infraestrutura Pública para denunciar o que apelidam de "arquitectura hostil" em Lisboa. Em Setembro de 2023, o grupo colocou cadeiras na Praça Paiva Couceiro para reclamar a reposição das mesas e cadeiras que foram retiradas em 2020, durante a pandemia de covid-19. No mês seguinte, a Junta de Freguesia da Penha de França voltou a instalar mobiliário urbano no espaço.
Já em Abril último, quando colocaram cadeiras no Jardim Constantino, em Arroios, para substituir as que tinham sido retiradas, a junta de freguesia ordenou que os funcionários públicos as recolhessem horas depois, conforme o grupo expôs nas redes sociais.
A Junta de Freguesia de Santo António, onde fica a paragem de autocarro, diz "desconhecer por completo o assunto" e que não receberam pedidos de "utilização de espaço publico para a área em questão". Também não foram os serviços da Câmara Municipal de Lisboa a retirar o banco, respondeu a CML ao P3. A autarquia acrescentou que "os bancos são substituídos por barra de apoio apenas nas situações em que isto é essencial para garantir o cumprimento das regras de acessibilidade".
Encostos por bancos
Segundo Marta, os bancos foram substituídos por encostos pela autarquia de Lisboa e pela empresa JCDecaux Portugal para, dizem estas duas entidades, garantir maior acessibilidade pedonal.
Por outras palavras, simplifica a jovem, "dizem que o passeio é demasiado estreito para ter um banco e pessoas sentadas na paragem". Aos olhos dos elementos do Infraestrutura Pública “são desculpas”, uma vez que o passeio sempre teve as mesmas dimensões e o banco nunca foi um problema.
“Porque é que não aumentam a calçada três centímetros, o que já seria suficiente? Ou porque é que põem cartazes publicitários a meio da calçada se é assim tão estreita? Ontem o banco não prejudicou a vida a ninguém. Só ajudou”, garante Marta.
Além disto, escreve a Lusa, no Manual de Espaço Público da Câmara Municipal de Lisboa, que disponível online lê-se que as paragens de autocarro devem estar, pelo menos, equipadas com "assento, papeleira, pilaretes, chapa identificadora".
O banco que o grupo instalou foi feito a custo zero, com a ajuda de um carpinteiro e sobras de madeira. As fotografias tiradas pelo colectivo mostram idosos de bengala e muleta, mulheres com crianças pequenas que não têm altura para usarem o encosto e trabalhadores que aparentemente podiam esperar em pé, mas que na verdade estavam magoados.
“Falámos com um senhor que não usava muleta, mas que não podia estar em pé apoiado no encosto porque tinha o joelho inchado. Conhecemos uma senhora que não aguentava mais e sentou-se na janela de um banco e outra que trabalha o dia inteiro em pé numa pastelaria que nos disse que o banco era a única forma de descansar uns minutos antes de chegar a casa”, recorda Marta.
Nas conversas com os passageiros, também encontrou quem acreditasse que o encosto da paragem era um apoio para as costas e que o banco de madeira ia ficar. Outros acreditam que é um “erro de engenharia” que será resolvido “quando o senhor presidente Carlos Moedas se sentar nele”, afirma a porta-voz do colectivo, recordando as palavras de uma idosa.
“Foi importante estar na paragem o dia inteiro, mas não precisamos de provas para perceber que ter um banco é importante. Também sabíamos que íamos encontrar reformados de bengala, mas não fazíamos ideia da quantidade de trabalhadores magoados que iam de muleta para o trabalho. Poder sentar é um direito”, conclui.
Notícia actualizada às 17h44 para acrescentar a resposta da Câmara Municipal de Lisboa