Ruben Amorim no Manchester: “Acredito que sou a pessoa certa no momento certo”
Técnico português foi igual a si próprio na primeira conferência de impressa como treinador dos “red devils”.
Durante quatro anos, o futebol português ganhou o hábito de escutar as conferências de Ruben Amorim, sempre articulado, sempre com alguma coisa para dizer. Um discurso diferente elogiado por amigos e inimigos, numa palavra, unânime, o que é bem raro no futebol português. Cerca de duas semanas depois de ter aterrado em Manchester, o antigo treinador do Sporting deu a sua primeira conferência de imprensa como novo treinador dos "red devils", e foi igual a si próprio. Em duas línguas.
Falou em português para os muitos jornalistas portugueses que ocuparam parte da sala de imprensa em Old Trafford, falou em inglês para os jornalistas britânicos que tiveram o seu primeiro gosto das conferências articuladas e com substância de Amorim. Em português, repetiu, por exemplo, o "jogo a jogo", uma expressão que marcou a sua primeira época completa em Alvalade, aquela em que viria a conquistar o primeiro de dois títulos com o Sporting, para definir os seus objectivos imediatos.
"Vamos jogo a jogo, o único objectivo é ganhar ao Ipswich [no próximo domingo]. Sei que no final da época vou ser julgado pela classificação. Queremos ganhar este jogo e ter uma semana para preparar o jogo seguinte", foi a declaração de intenções para o imediato e para a sua estreia como treinador do United, 13.º classificado da Premier League inglesa, depois da saída de Ten Hag da transição garantida por Van Nistelrooy.
"As expectativas são, muitas vezes, um problema"
Visto como um "messias" que vai devolver o United aos tempos de glória que já não vive desde os tempos de Alex Ferguson, o português aceita que as expectativas são elevadas, mas que ainda é cedo para pensar grande: "As pessoas aqui têm muita esperança que o clube volte a ganhar. Há muito a fazer. Sei das expectativas e sei que as expectativas são muitas vezes um problema. Tenho de focar-me nas coisas práticas, como o que tenho de fazer no treino."
Logo a abrir, Amorim foi confrontado com o nome de um outro português que também foi treinador do Manchester United, José Mourinho, que esteve em Old Trafford entre 2016 e 2018. "O Mourinho é uma pessoa e eu sou outro treinador, histórias completamente diferentes", respondeu, falando depois da duração do seu contrato com o United, dois anos e meio: "É perfeito porque em dois anos vamos perceber se sou o treinador ideal para o projecto ou não."
Ainda em português, Amorim falou do Sporting - "boa sorte ao João. Quero que eles ganhem as competições todas" - e de Viktor Gyökeres - "tem jogo hoje, espero que ele jogue bem, não se lesione e tenha sucesso no Sporting".
"Não será uma revolução"
Já em inglês, Amorim falou das diferenças entre o Sporting e o Manchester United. "É diferente, é maior. Há muitos departamentos, muito diferente do que estava habituado em Portugal. O Sporting é um clube grande, mas em Portugal. Temos tantas coisas para fazer, não é só gerir a equipa, há muito mais para fazer. Mas eu tenho ajuda nesse processo, mas sinto-me muito feliz e confortável. Sinto-me em casa."
Desde que Alex Ferguson se retirou em 2013, o United teve cinco treinadores efectivos (mais outros tantos interinos), Moyes, Van Gaal, Mourinho, Solskjaer e Ten Hag, e nenhum conseguiu devolver os "red devils" ao topo da cadeia alimentar no futebol inglês. Amorim é o senhor que se segue no Teatro dos Sonhos e pede tempo, mas não para fazer uma revolução ou uma evolução. Quer fazer as coisas à sua maneira.
"Não será de revolução. O futebol não é assim tão diferente apenas porque se joga com cinco ou três jogadores na defesa. Temos de esperar, mas vamos implementar um estilo de futebol totalmente diferente. Não estou a dizer que serão as melhores ideias, são as minhas ideias e aquelas nas quais acredito. Não se tratará de uma revolução, será, sobretudo, tentarmos acreditar na forma como queremos jogar futebol", disse Amorim, em inglês.
As perguntas sobre Mourinho
Era inevitável que os jornalistas ingleses também fizessem perguntas sobre José Mourinho e foi o que aconteceu. Primeiro, se Amorim tinha tido algum contacto recente com o actual técnico do Fenerbahçe - "mandou-me uma mensagem, disse que vinha para um grande clube" - e sobre o estágio que fez no United quando era Mourinho que mandava - "sou uma pessoa diferente desde essa altura, nessa altura eu estava a aprender aqui no clube, agora quero ensinar alguma coisa".
A chegada de Mourinho à Premier League como o "Special One" do Chelsea também foi usada como ponto de partida para uma pergunta sobre a importância dessa porta aberta e se Amorim estará preparado para chegar ao mesmo patamar. "Mostrou-nos que podíamos ser os melhores do mundo, mesmo sendo nós de um país pequeno. Mas sou diferente de Mourinho. Nessa altura olhávamos para Mourinho e conseguíamos sentir que ele podia vencer em qualquer lado. Ele era um campeão europeu. Eu não sou campeão europeu. Mas sou um tipo diferente, num momento diferente e também o próprio futebol está diferente. Acredito que sou a pessoa ideal para este momento. Sou um treinador jovem, consigo entender os jogadores e vou tentar isso para ajudá-los."
"Acredito que sou a pessoa certa no momento certo"
Ao longo deste seu primeiro embate com os jornalistas ingleses, Amorim pareceu sempre ter a mistura certa de confiança, humildade e generosidade. Confiança nas suas ideias - "não é um trabalho impossível, acredito que sou a pessoa certa no momento certo, chamem-me ingénuo, mas acredito nisso". Humildade perante a difícil tarefa de reerguer um gigante caído - "precisamos de tempo, sabemos que temos de ganhar jogos e vamos ter de ganhar alguma coisa nestes dois anos e meio". E generosidade com um grupo de jogadores que não tem funcionado esta época - "acredito neles, tivemos três treinos. O que eu quero deles é trabalho duro e estarem abertos a novas ideias. Provaram isso e acredito nos jogadores."
Para além da liderança técnica, Amorim chamou a si a responsabilidade no que diz respeito a recrutamento e dispensas. "Temos de melhorar na informação sobre os jogadores, olhar também para os jogadores que queremos para desempenhar as funções que idealizamos na equipa, mas para isso estou eu cá, sou eu quem tem a última palavra. Não porque se trata do facto de ser um direito do treinador, mas, sobretudo, porque também é da sua responsabilidade. Os resultados dizem-me a mim. Também tenho de compreender a Liga. E quando tudo isso estiver alinhado, com os jogadores também dentro desta mesma ideia, só depois de tudo isso estar alinhado é que nós podemos começar a pensar em comprar ou vender jogadores."