Ser ou não ser, não é essa a questão: sexualidade, petróleo e necropolíticas
O que importa é que pessoas ativistas climáticas, LGBTI+, mulheres, racializadas, pertencentes a minorias étnicas, migrantes têm que se aliar, independentemente de serem ou não serem isto ou aquilo.
Há cerca de duas semanas, Trump ganhou as eleições presidenciais nos EUA. Em sincronia político-geológica, começámos a semana passada com a abertura da COP29 e com o relatório provisório de 2024 da Organização Meteorológica Mundial, que indica que 2024 “está a caminho de ser o ano mais quente de que há registo, batendo o famoso patamar da anomalia dos 1,5 graus Celsius”.
No mesmo dia 11 de Novembro, numa outra notícia do PÚBLICO, reportou-se a situação, (cada vez menos) inimaginável para pessoas homossexuais no norte global, de um ativista climático no Uganda, Nyombi Morris, que tem tido um papel crucial na contestação do EACOP, um oleoduto de petróleo bruto a ser construído entre o Uganda e a Tanzânia. Morris teve que fugir do Uganda por se encontrar em risco de vida, depois de ser alvo de “ameaças e acusações falsas” sobre a sua alegada homossexualidade.
Desde Maio deste ano, que a atividade sexual entre pessoas homossexuais passou a ser punida no Uganda com pena de prisão perpétua ou pena de morte. A notícia do PÚBLICO, à semelhança de outras publicadas em jornais internacionais, esclarece que Nyombi Morris “identifica-se como um homem cisgénero heterossexual” e que a história que espoletou as ameaças “não é mais do que um boato”, pois, “apesar de ter ‘muitos amigos queer’ no Uganda, obrigados a viver uma vida dupla, apenas teve contacto com grupos de apoio a pessoas LGBTI+ depois de a irmã lhe ter contado que era lésbica e que tinha sido expulsa da escola”.
Ou seja, a notícia gira em torno de demonstrar que Nyombi não só não é homossexual, e que é injusto considerá-lo como tal, como nem sequer tem sido um aliado, pelo menos não até alguém da sua família (biológica?), a irmã, lhe ter contado que era lésbica. Mas isso deve importar-nos a nós, leitores/as? Ou só importa a Nyombi? Neste caso, deve a comunicação social esclarecer quem lê sobre a sexualidade desta pessoa e sobre a sua história de contacto com pessoas e movimentos queer?
É crucial divulgar que o ativismo climático de Nyombi é visto como tão perigoso que o governo ugandês arranjou formas persecutórias e ameaças à sua vida e à sua família, através das leis homofóbicas do seu país, para o fazer parar. Também do ponto de vista biográfico poderá ser importante para Nyombi identificar-se publicamente de uma forma ou de outra quanto à sua sexualidade, tanto para respeitar a sua identidade como para sobreviver no Uganda, pois provavelmente só ao demonstrar judicialmente não ser homossexual poderá não vir a ser condenado à morte no seu próprio país.
Mas do ponto de vista do interesse público, daquilo que a comunicação social quer dizer acerca deste caso, não pode importar aqui que este ativista seja, ou não, homossexual. Claro que tudo deve ser feito para proteger este ativista e a sua família, para proteger e defender os direitos de todas as pessoas LGBTI+ no Uganda e em todo o mundo, para proteger e defender os direitos de todos os ativistas climáticos e ecossistemas afetados no Uganda e em todo o planeta pela exploração e transporte de petróleo. Mas, para isso, não pode ser preciso discutir ou demonstrar que Nyombi, no caso, não é homossexual.
O foco da notícia, a sua força, como fonte de informação, catalisadora de pensamento crítico e até de ação politizada, tem de ser no fato de a acusação de homossexualidade servir para perseguir este ativista, tanto pela sua homossexualidade (suposta ou não), como pelo seu ativismo climático. O que importa é apontar como a violência, opressão e repressão de pessoas LGBTI+ e ativistas climáticos são um só lado da mesma moeda, estruturadas e estruturantes do capitalismo que tem dominado o mundo há demasiado tempo, e dentro do qual assassinar pessoas LGBTI+, ativistas climáticos e ecossistemas inteiros – o planeta, mesmo – é preciso. É preciso para manter o poder da supremacia branca que se reproduz e floresce com os combustíveis fósseis, o poder da petromasculinidade (nas palavras de Cara Daggett, 2018), corporizada em Trump, no genocídio por Netanyahu, na ditadura de Putin, que se perpetua nestes homens brancos cis heterossexuais, e que a colonização, passada e presente, do continente africano, da Palestina e de outros territórios ocupados, sustenta.
O que importa é apontar como as leis assassinas de pessoas LGBTI+ existentes atualmente no Uganda e noutros países africanos têm origem nesse passado colonial, sobretudo britânico, que criou códigos penais em muitos países africanos que criminalizavam a homossexualidade e cujo legado perdura até hoje, sustentado pela contínua exploração, manipulação e saque destes territórios, suas comunidades e ecossistemas pelo norte global, agora através da extração petrolífera, mineral, e de tudo que seja gerador de riqueza para os 1%.
O que importa é apontar, como Vanessa Nakate fez também a propósito do oleoduto Uganda-Tanzânia que Nyombi tão corajosamente tem vindo a contestar, que as “nações europeias despejam a poluição e sofrimento" noutras comunidades com projetos colonizadores como o EACOP, maioritariamente detido pela Total Energies, uma multinacional francesa e uma das maiores empresas de petróleo do mundo.
O que importa é que pessoas ativistas climáticas, LGBTI+, mulheres, racializadas, pertencentes a minorias étnicas, migrantes têm agora, mais do que nunca, neste mundo em que Trump volta a existir e naquele que será provavelmente o ano mais quente de sempre, que se aliar e lutar por todos os seus direitos, independentemente de serem ou não serem isto ou aquilo.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico