O limiar para atribuição das bolsas de estudo é “demasiado baixo”. Especialistas defendem revisão

Apenas 17,8% dos estudantes do superior têm bolsas. Entre os deslocados, 15,4% candidataram-se a um lugar numa residência universitária, mas apenas 3% o obtiveram, segundo estudo do Edulog.

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Manifestação estudantes do ensino superior por melhor acção social e alojamento, gratuitidade das propinas, mais financiamento publico e melhores condições nas instituições Matilde Fieschi
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A revisão dos critérios de atribuição das bolsas de estudo, sobretudo do limiar mínimo do rendimento do agregado familiar considerado para aceder a este apoio, poderia “melhorar significativamente a experiência dos estudantes” do ensino superior, diminuindo o peso das despesas pessoais e permitindo maior foco nos estudos”. Esse é, pelo menos, o entendimento dos autores de um estudo do Edulog que traça o retrato socioeconómico dos alunos do superior da Grande Lisboa e do Grande Porto e que deixa um leque de recomendações, quer à tutela, quer às instituições de ensino. “O limiar de atribuição da bolsa, ou seja, o rendimento familiar a considerar é demasiado baixo. Portanto, uma família com pequenos rendimentos arrisca-se a que o filho não tenha direito a bolsa”, diz ao PÚBLICO Alberto Amaral, um dos autores do estudo.

Há outras dificuldades que se intrometem no caminho dos estudantes deslocados em Lisboa e no Porto e que o estudo quantifica: metade não possui contrato de arrendamento, e apenas 17,8% têm acesso a bolsas de estudo, “uma percentagem considerada insuficiente para responder às necessidades da população estudantil deslocada”. Por outro lado, “os valores das bolsas são relativamente baixos, aponta ainda Alberto Amaral, que é coordenador científico do conselho consultivo do Edulog, o think thank para a Educação da Fundação Belmiro de Azevedo, que promoveu este estudo, e também presidente da comissão independente criada pelo anterior Governo que avaliou o Regime Jurídico das Instituições do Ensino Superior (RJIES).

Para que um estudante consiga aceder a uma bolsa de estudo, o rendimento per capita anual do respectivo agregado familiar tem de ser inferior a 11.049,89 euros. Rever este limiar é uma das principais recomendações deixada pelos autores do estudo Cartografia e dinâmicas socioeconómicas dos estudantes do ensino superior do Grande Porto e da Grande Lisboa, desenvolvido no âmbito de um projecto de investigação do Centro de Investigação de Políticas do Ensino Superior (CIPES) a partir de uma amostra de 5042 estudantes. Recorde-se, a este propósito, que, de acordo com um estudo do Iscte, publicado em Agosto último, em média, os estudantes despendem por mês 903,90 euros para frequentar o ensino superior. O alojamento, a alimentação e os transportes são os responsáveis pelas fatias mais relevantes.

Não surpreende assim que o estudo fixe em 66,5% os estudantes da Grande Lisboa e do Grande Porto que dependem da ajuda familiar para frequentar o ensino superior. De resto, tanto os representantes dos estudantes, como das próprias instituições foram críticos quanto aos critérios para aceder a uma bolsa de estudo, dando conta da necessidade de os rever e de investir em medidas de apoio aos estudantes. “O rendimento anual do agregado familiar para poder aceder à bolsa da Acção Social é muito baixo, mas, se ultrapassar os 100 euros [do limiar para o estudante ter direito a bolsa], não quer dizer que essa pessoa seja rica ou não precise da bolsa, mas deixa de ter esse apoio, portanto (...), se calhar devia haver um maior escrutínio dos critérios”, referiu um dos representantes dos alunos, citado no relatório.

No mesmo sentido vai a posição de um dos dirigentes de uma universidade pública do Porto, que defende ser “necessária uma mudança profunda na forma como o serviço [de bolsas de estudo] funciona e no processo de atribuição da bolsa social ao estudante”. Esta posição é, aliás, corroborada por um outro dirigente, que caracteriza o limiar mínimo para atribuição deste apoio como “absurdo”.

Além da revisão dos critérios para aceder a bolsas de estudo, os autores deixam ainda um alerta para o subfinanciamento que as instituições de ensino superior (IES) enfrentam, “um constrangimento significativo” para que possam aumentar o apoio social aos seus estudantes. “Tal exige uma revisão das políticas públicas em matéria de financiamento das IES e/ou de financiamento directo aos estudantes, principalmente através de bolsas de estudo”, lê-se no documento.

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“Aquilo que verificamos quando olhamos para o apoio social é que, por um lado, ele é relativamente escasso, porque a maior parte dos bolseiros a única coisa que tem é a isenção de propinas, porque a bolsa é exactamente igual ao valor da propina. Em termos de valor absoluto, as bolsas são relativamente baixas”, explica Alberto Amaral. E acrescenta: “Uma família de classe média, se quiser pôr os filhos [a estudar no ensino superior e a viver] fora da residência, com os custos adicionais de estadia, não tem recursos [para o fazer].

Metade sem contrato de arrendamento

A habitação continua a ser um dos principais desafios (senão o principal) que os estudantes enfrentam, e não é só pelos preços elevados e galopantes que se praticam. Por um lado, 48% dos estudantes não possuem um contrato formal de arrendamento e, por outro, 51% referiram que os senhorios não emitem recibos de renda e apenas uma pequena parcela (4,9%) dos estudantes afirmou receber complemento de alojamento.

“Existe falta de quartos para os alunos deslocados. Durante anos e anos não foram feitos grandes investimentos em termos de residências universitárias e, por outro lado, há um alargamento do alojamento local. Os quartos tornaram-se mais escassos e muito mais caros e isso é um grande entrave”, problematiza Alberto Amaral.

O especialista recorda que o problema que agora se põe é o oposto àquele que o próprio enfrentou quando esteve à frente da Universidade do Porto (entre 1985 e 1998). “Quando fui reitor da Universidade do Porto, construí algumas residências e, na altura, não continuei mais, porque não havia clientes. Como havia abundância de quartos e eram baratos, os alunos preferiam alugar um quarto a ir para uma residência universitária, onde provavelmente tinham regras mais rigorosas… Mas agora isso inverteu-se complementarmente, é algo que não foi previsto e uma grande condicionante.”

No sentido de permitir a execução do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior, o Governo criou uma linha de financiamento, designadamente no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), ao qual se podem candidatar entidades públicas e que inclui o montante total de 375 milhões de euros, reforçado, em 2023, em 517,4 milhões de euros, para a construção, adaptação e renovação de residências estudantis, prevendo-se que este financiamento permita a criação de 18.143 novas camas.

O estudo mostra também que a maioria dos estudantes inquiridos reside em casa dos pais, “o que poderá estar relacionado com os elevados custos de alojamento”, além da “escassa oferta de residências estudantis”. Quanto aos estudantes deslocados, “residem mais frequentemente em quartos arrendados, mas muitos frequentemente não possuem contratos formais de arrendamento, o que os impede de aceder ao complemento de alojamento”.

Considerando-se apenas os estudantes não deslocados, a maioria (96,9%) afirmou nunca ter concorrido a um lugar numa residência universitária”. “Por sua vez, de entre os estudantes deslocados, 15,4% afirmaram haver concorrido e, destes, a 3,0% foi atribuído um lugar”, conclui-se ainda. Segundo dados fornecidos pelo Observatório do Alojamento Estudantil, o preço médio por quarto em Portugal passou de 268 euros, em Setembro de 2021, para 340 euros, em Dezembro de 2022, o que representa uma variação do preço médio de 24,8% durante o ano de 2022. Além disso, houve uma passagem de 9884 quartos disponíveis, na primeira data considerada, para 1484, em Dezembro de 2022.

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