O western Rust, de Alec Baldwin, estreou na quarta-feira num discreto festival de cinema polaco, três anos depois de a directora de fotografia Halyna Hutchins ter morrido quando Baldwin lhe apontou uma arma, naquele que foi o primeiro tiroteio fatal em Hollywood em quase 30 anos.
O realizador Joel Souza, que ficou ferido no tiroteio, disse à Reuters que era um alívio ter concluído o filme e levá-lo ao público, no que ele esperava que fosse uma homenagem à ucraniana de 42 anos. O filme estreou para uma audiência de algumas centenas de pessoas na cidade medieval de Torun, no centro da Polónia, no festival Camerimage, um evento especializado em cinematografia. O cenário estava muito longe do glamour das estreias de filmes em Hollywood.
Joel Souza, a directora de fotografia Bianca Cline, que substituiu Hutchins no filme, e Rachel Mason, uma amiga de Hutchins que está a fazer um documentário sobre a sua vida, apresentaram o filme. Alec Baldwin não compareceu à projecção. Ainda não se sabe quando é que o filme estreará nos EUA.
“Estou entusiasmado com o facto de as pessoas poderem ver o trabalho de Halyna, espero que apreciem o seu trabalho... Não foi uma decisão fácil, de forma alguma, mas tornou-se importante para mim e para o marido dela que as pessoas vissem o seu trabalho final”, declarou o realizador.
Quando do acidente no set de filmagens, a arma empunhada por Alec Baldwin disparou uma bala real que foi inadvertidamente carregada pela chefe de armas do filme, Hannah Gutierrez, perto de Santa Fé, Novo México, em Outubro de 2021. Gutierrez foi condenada por homicídio involuntário em Março e está a cumprir uma pena de prisão de 18 meses. O seu recurso foi rejeitado em Setembro.
O actor e produtor do filme também foi julgado, mas em Julho um juiz do Novo México rejeitou as acusações de homicídio involuntário contra ele, concordando com os seus advogados que os procuradores e a polícia tinham ocultado provas sobre a origem da bala que matou Hutchins.
Souza disse esperar que o lançamento do filme seja uma forma de as pessoas saberem mais sobre Hutchins do que simplesmente a forma como morreu e que possam “ver o mundo através dos seus olhos”.
“Essa é uma das coisas boas dos filmes. Podemos ver o mundo da mesma forma que as pessoas que o fizeram o vêem”, disse. “A direcção de fotografia é espantosa e espero que as pessoas possam apreciar isso”.
Cena fatal removida
Numa entrevista para a televisão em 2021, Baldwin disse que lhe foi dito que a arma estava vazia e que Hutchins o mandou apontar para a câmara e engatilhar a arma. O actor disse que o revólver disparou quando ele soltou o martelo e não puxou o gatilho.
Souza disse que percebeu que seria quase impossível para as pessoas assistirem ao filme sem pensar na morte de Hutchins. “Acho que é assim que as pessoas conhecem o filme”, admitiu. “Mas, espero que, independentemente das razões pelas quais as pessoas o vejam — seja por curiosidade, seja por gostarem de westerns, seja por que razão for — espero que consigam pelo menos tirar alguma coisa do filme ou que possam apreciar o trabalho dela nele.”
Uma cena de igreja em que estavam a trabalhar quando Hutchins foi baleada não faz parte do filme, informou. “Nunca a íamos acabar... Mudei o guião e eliminei-a do filme.”
Voltar para completar Rust após a morte de Hutchins foi extremamente difícil para a equipa, continuou Souza, mas eles estavam unidos no desejo de honrar e lembrar a directora de fotografia. “Eu estava mal e geralmente não sou assim. Mas, emocionalmente, eu estava em todo o lado e a equipa ajudou-me mesmo a ultrapassar isso”, confessou.
“Não parava de pensar, como é que estou a aguentar estes dias? E apercebi-me de como consegui ultrapassá-los. Foi porque a equipa me ajudou a ultrapassá-los... Conseguiram manter-me concentrado na tarefa que tinha em mãos. ‘E lembra-te sempre da Halyna. Lembrem-se sempre da Halyna, lembrem-se da Halyna’. Esse era o meu foco”.
O festival Camerimage foi um lugar apropriado para homenageá-la, declarou Souza, e o filme foi aberto com um minuto de silêncio em memória da directora de fotografia, anunciado pelo director do festival, Kazimierz Suwala. Por sua vez, Souza agradeceu a presença dos convidados para “celebrar a amiga e celebrar a sua arte e o seu talento. ... Ela realmente era especial”. Cline disse que esperava que o filme desse aos espectadores a oportunidade de ver “o mundo através dos olhos de Halyna”, enquanto Mason disse que a equipa tinha decidido continuar a ajudar a família de Hutchins. “Espero realmente que o mundo possa compreender que este foi um acto de coragem, completar este filme.”
“Este festival significou muito para ela, assim como para todos os cineastas. Penso que preservar o seu trabalho, tentar preservar até ao último fotograma que pudemos, mostrá-lo às pessoas e deixá-las perceber o quão talentosa ela era, é uma honra para ela”, justificou Souza à Reuters.
Mãe anunciou boicote
A mãe de Halyna Hutchins, Olga Solovey, disse numa declaração emitida pelo seu advogado aos meios de comunicação social que iria boicotar a estreia. “Alec Baldwin continua a aumentar a minha dor com a sua recusa em pedir-me desculpa e em assumir a responsabilidade pela morte da minha filha. Em vez disso, procura lucrar injustamente com a sua morte”, diz a declaração, citada pelo The Washington Post.
“É por essa razão que me recuso a participar no festival de promoção de Rust, especialmente agora que ainda não há justiça para a minha filha”, acrescentou.
Na Polónia, questionado sobre os processos judiciais, se achava que tinha sido feita justiça, Joel Souza afirmou: “Eu não posso deixar que esse tipo de coisa ou esse tipo de pensamento ocupe espaço na minha cabeça. Eu só tenho que seguir em frente. A única maneira de seguir em frente é seguir em frente. É isso.”
Após a estreia, Nathan Kiremidjian, membro do público do festival, elogiou o filme, mas disse à Reuters que sempre que havia um tiroteio, “sentia-se um pouco de tensão”. E concluiu: “É inevitável.”