Cerca de 50 milhões de pessoas registam o seu ciclo menstrual nos seus dispositivos pessoais.
Mas até que ponto devemos confiar numa app para obter informações fiáveis e precisas sobre a menstruação e a fertilidade?
Algumas aplicações são gratuitas, outras são pagas. Todas fazem parte de uma indústria em expansão conhecida como “femtech”. Mas os dados sobre a exactidão e a qualidade das aplicações sugerem que nem sempre nos ajudam a compreender melhor o nosso corpo.
Eis o que as aplicações de controlo do período podem — e não podem — dizer sobre o ciclo menstrual.
Como é que os monitores de menstruação funcionam?
Os monitores de menstruação pedem aos utilizadores que introduzam uma grande quantidade de dados pessoais, incluindo datas de menstruação, actividades sexuais, humor, sintomas (como inchaço ou cólicas) e níveis de energia. Com base nestes dados auto-reportados, as aplicações utilizam algoritmos para fazer previsões.
Estas incluem quando chegará o período, quanto tempo durará, o dia em que ovulará e a “janela fértil”, normalmente cerca de três a sete dias por ciclo em que a probabilidade de concepção é maior.
Algumas aplicações baseiam-se inteiramente na duração do ciclo menstrual para fazer as suas previsões (conhecidas como aplicações com base no calendário).
Outras utilizam dados biométricos, como a temperatura corporal diária, a consistência do muco cervical ou os níveis hormonais na urina. Estas alterações corporais estão directamente relacionadas com a ovulação e podem, portanto, aumentar a precisão das previsões de ovulação.
Mas muitas aplicações não incluem estes dados nos seus algoritmos, mesmo que os registem. E muitas aplicações não são transparentes quanto à forma como formulam as previsões e se estas são aplicáveis à maioria dos utilizadores.
Desafiar a norma do ciclo de 28 dias
O ciclo menstrual normal tem sido entendido como sendo de 28 dias, com a ovulação a ocorrer no 14.º dia, ou seja, 14 dias antes do período seguinte.
Mas a investigação efectuada desde a década de 1960 mostrou que a duração dos ciclos menstruais pode variar entre diferentes pessoas e de ciclo para ciclo. Agora, dados recentemente publicados de aplicações de controlo do período revelam quão variados podem ser.
A colaboração entre investigadores e empresas de aplicações permite-nos ter acesso a milhões de ciclos de centenas de milhares de pessoas.
Estes estudos demonstraram que apenas 13-16% das mulheres têm um ciclo de 28 dias e apenas 13% ovulam no 14.º dia. Existe também uma variação considerável de mês para mês. Por exemplo, um estudo mostrou que a duração do ciclo variava em mais de metade das mulheres em cinco ou mais dias.
Estes resultados põem em causa a nossa definição de um ciclo menstrual “normal”. Apesar disso, muitas aplicações baseadas em calendários continuam a prever a ovulação 14 dias antes da data prevista para o início do período, o que significa que podem ser imprecisas para a maioria das pessoas.
Devo confiar nas previsões das aplicações para prevenir a gravidez?
Algumas pessoas utilizam as previsões das aplicações menstruais para o planeamento da fertilidade, quer para aumentar as suas hipóteses de concepção, quer como uma ferramenta contraceptiva.
Embora os dados que examinam a capacidade das aplicações para prevenir a gravidez sejam limitados, os estudos existentes encontraram uma taxa de falha de 7,2 a 8,3%. Esta taxa de gravidez indesejada é semelhante à dos preservativos com utilização normal.
No entanto, os estudos excluíram frequentemente participantes cuja duração do ciclo variava entre três e sete dias. Isto significa que a sua eficácia na prevenção da gravidez é menos segura para muitas pessoas cujo ciclo varia.
A fiabilidade destes resultados também depende da consistência com que os utilizadores registam os seus dados, o que é difícil de verificar. Muitos destes estudos foram também financiados e são da autoria das empresas proprietárias das aplicações, pelo que os resultados devem ser interpretados com cautela.
As apps de menstruação ajudam as mulheres a conhecer o seu corpo?
Tal como a nossa investigação demonstrou, as aplicações são frequentemente apresentadas como uma forma de capacitar os utilizadores, melhorando o autoconhecimento e o controlo. Muitas afirmam preencher a lacuna existente na investigação sobre a saúde das mulheres.
Mas um estudo recente concluiu que as pessoas que utilizam aplicações de controlo do período não têm mais probabilidades de ter conhecimentos básicos sobre os seus ciclos do que aquelas que não as utilizam. Outro estudo concluiu que as aplicações melhoram os conhecimentos, mas apenas ligeiramente.
Se a previsão da aplicação estiver errada, os utilizadores podem duvidar do seu próprio corpo e não da precisão da aplicação. Algumas mulheres relataram sentir-se stressadas e ansiosas quando as datas não coincidem.
A qualidade da informação contida nestas aplicações também pode ser muito variável. Informações baseadas em evidências podem ajudar a acabar com estigmas e normalizar sintomas comuns, como o corrimento vaginal. No entanto, quando existe boa informação disponível, esta encontra-se frequentemente bloqueada por um acesso pago ou é muito genérica.
Algumas aplicações podem também apoiar crenças não científicas, como a sincronização de ciclos (planeamento de exercícios e dietas com base nas fases do ciclo menstrual), o ciclo de sementes (comer diferentes combinações de sementes numa tentativa de equilibrar as hormonas) e a astrologia.
Então, devo usar uma app para vigiar o meu ciclo menstrual?
As apps são uma indústria lucrativa, que recolhe informações pessoais a uma escala global. As empresas por detrás destas aplicações não estão vinculadas à legislação médica, mas sim às regras da loja de aplicações que as aloja.
Desde que introduzas as datas correctamente, as aplicações podem fornecer um registo instantâneo dos teus ciclos menstruais. Este registo pode ser muito útil por várias razões, como, por exemplo, para discutir o historial menstrual com um médico, estimar a data do parto em caso de gravidez ou ajudar a fazer um diagnóstico da menopausa.
As previsões também podem ser úteis para ter uma ideia de quando é que o período pode chegar. Mas tem em atenção que podem estar erradas. E dadas as provas crescentes que mostram o quanto a duração do ciclo menstrual pode variar, não confies numa aplicação para te dizer se o ciclo é normal.
Embora grandes irregularidades possam ser motivo de preocupação, os ciclos irregulares são comuns e nem sempre indicam um problema. Se estiveres preocupada, é melhor falares com um médico.
Exclusivo P3/The Conversation
Tessa Copp é bolseira de investigação em Saúde Reprodutiva pelo NHMRC e integra a Escola de Saúde Pública da Universidade de Sydney.
Emmalee Ford é professora auxiliar em Bioquímica Médica na Universidade de Newcastle.