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Economista que vê disputa irracional na área fiscal no Brasil ganha prêmio em Lisboa
Trabalho de Selene Peres Nunes fica em primeiro lugar no prêmio do Fórum de Integração Brasil Europa 2024. Ela compara as regras fiscais do Brasil, da União Europeia e dos demais países da OCDE.
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A economista brasileira Selene Peres Nunes foi a grande vencedora do prêmio do Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe) 2024, sediado em Lisboa. Com o trabalho Lições das Regras Fiscais: Um Estudo Comparado de Casos de Brasil, União Europeia e Outros Países da OCDE, ela mostra que, pela experiência internacional, os mecanismos adequados de monitoramento e transparência são fatores determinantes para a sustentabilidade das finanças públicas.
“Esse prêmio é o reconhecimento de um trabalho que aprofundei no Master em Fazenda Pública, Administração Financeira e Tributária e integra a agenda de pesquisas a que dediquei minha vida, tanto na academia, com dissertações de mestrado, tese de doutorado e diversos artigos na área de finanças públicas, quanto nas funções que assumi no governo, mais recentemente como secretária de Economia de Goiás”, diz Selene ao PÚBLICO Brasil.
Uma das autoras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), editada em 2000, marco nas contas públicas brasileiras, a economista disseca as teorias econômicas que sustentam a adoção de regras fiscais, baseadas nos impactos macroeconômicos da política fiscal e na capacidade de se evitar a ilusão de que tudo está bem nas finanças federais. “O marco teórico institucionalista é utilizado para mostrar como as regras são criadas e como mudam, mesmo sem mudar”, afirma.
Segundo ela, no Brasil, apesar dos bons resultados iniciais da Lei de Responsabilidade Fiscal, “sua efetividade foi reduzida devido à manipulação de estatísticas, interpretações divergentes e flexibilização pelo atual arcabouço fiscal”. No entender de Selene, para melhorar a efetividade das regras fiscais no Brasil, será necessário simplificar o marco normativo, reforçar a credibilidade das instituições e garantir que os mecanismos estabelecidos sejam compreensíveis e aplicáveis. O trabalho de Selene foi defendido no Instituto de Estudios Fiscales (IEF), da Universidad Nacional de Educación a Distância (Uned), da Espanha.
Cortes de gastos
Selene tem acompanhado de perto o intenso debate sobre a necessidade de cortes de gastos públicos no Brasil. A previsão é de que, ainda nesta semana, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anuncie uma tesourada de até R$ 70 bilhões para cumprir a meta de rombo zero neste ano. Na avaliação da vencedora do prêmio Fibe, “o controle do deficit e da dívida pública é importante para evitar pressões inflacionárias, contribuindo para a estabilidade econômica em uma democracia”.
Ela destaca que as regras fiscais são instrumentos de controle das contas públicas. “Vários economistas, de diferentes linhas de pensamento, concordam que essas regras são mais eficazes do que as políticas discricionárias. Além disso, as regras, conjugadas com mecanismos de transparência, evitam a ilusão fiscal utilizada por governos para mostrar aos eleitores-contribuintes o lado bom da despesa hoje, enquanto transferem o ônus do endividamento para o futuro, sem que eles percebam”, ensina.
Na opinião da economista, as regras fiscais também são a melhor solução para o problema de cooperação que surge quando os agentes públicos disputam o uso de recursos coletivos (Orçamento) e os exaurem de uma forma que é nociva para a coletividade — na literatura, chama-se de problema do fundo comum.
Selene ressalta que, apesar do esforço demonstrado por Haddad, ela não acredita no ajuste das contas públicas no atual governo. “Em todos os países, há alguma disputa ideológica entre a coalizão pró-equilíbrio fiscal e a coalizão pró-gasto. Sempre há alguma pressão por flexibilização das regras. No Brasil, no entanto, essa disputa beira a irracionalidade”, assinala.
A economista destaca que, “mesmo diante do maior deficit nominal desde o Plano Real, em 1994, e de uma dívida em trajetória explosiva, o governo brasileiro não consegue se convencer da necessidade de fazer cortes de gastos e continua buscando aumentar mais e mais a arrecadação de impostos”. Para ela, nos próximos anos, “a dificuldade será maior para o ajuste das contas públicas, porque o problema está se acumulando”.