Provedora pede revisão das indemnizações por acidentes de trabalho
Compensações são fixadas com base num diploma com mais de 24 anos. Cálculo não tem em conta o aumento da esperança média de vida e, por isso, prejudica os cidadãos com direito às indemnizações.
A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, emitiu uma recomendação ao Governo para que actualize com urgência as regras de cálculo das indemnizações atribuídas aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho ou de doença profissional.
A posição foi dada a conhecer ao executivo de Luís Montenegro na última sexta-feira, numa carta enviada à ministra do Trabalho, Rosário Palma Ramalho, na qual a provedora dá conta de que recebeu queixas de cidadãos que protestaram contra o incumprimento das regras de definição do cálculo previstas na Lei dos Acidentes de Trabalho. O documento foi divulgado publicamente nesta segunda-feira, no site da provedoria, com a expectativa de que haja alterações dentro de dois meses.
Para Maria Lúcia Amaral, é necessário avançar com uma revisão das regras de cálculo para ter em conta “a actual esperança média de vida” e “as taxas de juro presentemente praticadas”, uma vez que os dois indicadores (tidos em conta no cálculo) “estão amplamente ultrapassados”, fazendo com que os trabalhadores estejam a ser prejudicados e as entidades pagadoras estejam a ser beneficiadas de forma indevida.
Na recomendação, a provedora lembra que já passaram “mais de 14 anos” desde a entrada em vigor da Lei dos Acidentes de Trabalho e, apesar disso, “não foram ainda aprovadas as bases técnicas e as tabelas práticas ali previstas” que deveriam servir de base ao cálculo do capital para, com isso, se “quantificar o valor” das indemnizações. E “tão-pouco foi aprovada a legislação especial prevista no mesmo diploma” para a definição das compensações por doenças profissionais.
Apesar da existência da lei de 2009, o cálculo das compensações “ainda se baseia na Portaria n.º 11/2000, de 13 de Janeiro, uma legislação com mais de 24 anos, que usa dados demográficos de 1988-1990”, o que leva a que se considere “uma esperança média de vida aos 65 anos de 13,07 anos — cerca de seis anos abaixo da média actual” (19,75 anos). É um dos factores que fazem com que os trabalhadores sejam prejudicados, porque se assume que terão menos tempo de vida.
Há até uma diferença de tratamento relativamente à forma como é fixada a idade de acesso à pensão de velhice para 2025, que teve em conta os tais 19,75 anos de esperança média de vida aos 65 anos.
Como, para os acidentes e doenças laborais, o Estado português continua a basear-se em regras tão recuadas no tempo, do início deste século, as indemnizações também não têm em consideração “diferenças em função do género ou de outros factores”, ao contrário do que acontece, por exemplo, em França, onde a tabela já foi substituída para criar “tábuas em função do género, idade e nível de vida”.
Outro factor que, diz a provedora de Justiça, está ultrapassado é o valor da chamada “taxa técnica de juro”, que é uma das duas bases técnicas aplicadas ao cálculo do “capital de remição das pensões de acidentes de trabalho” e dos “valores de caucionamento das pensões de acidentes de trabalho”.
A taxa de juro prevista no tal diploma do ano de 2000 é de 5,25% e, sublinha a provedora, essa taxa é “muito superior à que vem sendo praticada [hoje], o que resulta em ganhos de rentabilização” para as entidades pagadoras que “não correspondem à realidade”.
Na nota publicada no seu site, a provedora sublinha que em vários casos, os trabalhadores “não têm sequer a possibilidade de recusar esta conversão da sua pensão num pagamento único em capital, por ser legalmente obrigatória”.
Da combinação dos dois factores, “o valor do capital apurado e pago será inferior ao devido, com prejuízo para o direito do pensionista à justa reparação e o correspondente benefício indevido para a entidade pagadora”.
A provedora pede ao Governo que, “com urgência”, dê seguimento à recomendação e que em 60 dias lhe dê conhecimento sobre se aceitou a sugestão “ou, porventura, os fundamentos do seu não acatamento”.