Unicef sugere maior controlo de quem trabalha com crianças para prevenir abusos

Para prevenir abusos sexuais, legislação já prevê entrega de registo criminal, mas tal nem sempre é posto em prática. Dia Europeu Contra Abusos Sexuais assinalado esta segunda-feira.

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Quem trabalha numa creche deve apresentar registo criminal Manuel Roberto
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A propósito do Dia Europeu Contra a Exploração Sexual e os Abusos Sexuais, que esta segunda-feira se assinala, a Unicef sugere um verdadeiro sistema de avaliação prévia de idoneidade para quem trabalha com crianças, "a começar pela verificação do registo criminal”.

Desde 2009, o quadro legal português estipula que, “no recrutamento para profissões, empregos, funções ou actividades, públicas ou privadas, ainda que não remuneradas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, a entidade recrutadora está obrigada a pedir ao candidato a apresentação de certificado de registo criminal e a ponderar a informação constante do certificado na aferição da idoneidade do candidato para o exercício das funções”. Em 2015, essa orientação foi reforçada, passando a ser obrigatório todos os anos solicitar o documento.

“A idoneidade é mais do que o registo criminal, mas isso continua a ser importante porque o pedido de registo criminal nem sempre se verifica”, diz Beatriz Imperatori, directora executiva da Unicef-Portugal. “Sendo obrigatório por lei, o pedido de registo criminal devia ser a prática transversal, mas não é.”

Em seu entender, falta “uma peça fundamental: um mecanismo de verificação” independente. “Devia haver uma entidade que regularmente se dirigisse às instituições que trabalham com crianças a pedir para verificar o perfil dos profissionais que ali trabalham.”

Quando se pergunta em que assenta este alerta para a falta de cumprimento da legislação em vigor, responde Imperatori: “Nos relatos que ouvimos no terreno. Há associações, colectivos, clubes desportivos, enfim, uma variedade de instituições que na realidade não tem esta prática.”

no ano passado, por exemplo, o Patriarcado de Lisboa passou a exigir registo criminal a quem dá catequese.

Este pedido será tanto mais relevante quando os tribunais tendem a não aplicar a pena acessória de proibição de exercício de actividade que implique contacto com menores de 18 anos. Entre 2018 e 2022, só o fez a 13% dos condenados por abuso sexual de criança.

“Quando avaliamos a idoneidade temos de ir para além do registo criminal”, torna Imperatori. “Para trabalhar com crianças, o percurso profissional tem de ser isento de falha.” A natureza do trabalho a desempenhar importa. “Uma pessoa que vigia o comportamento das crianças num parque infantil é diferente de um treinador que passa horas com as crianças e está com elas no balneário. Isso tem de ser tido em conta quando fazemos exigências.”

Também alerta para a necessidade de os profissionais serem capacitados para reconhecer os sinais e interagir com as vítimas. Afinal, a maior parte destes crimes ocorre dentro de casa.

As estimativas europeias são esmagadoras. Pelas contas do Conselho da Europa, “uma em cada cinco crianças são vítimas de alguma forma de violência sexual, 70% a 85% conhecem os agressores, um terço nunca fala do abuso”.

A nível nacional, a situação não é melhor. O Instituto Nacional de Estatística estima que um quinto da população maior de idade tenha sofrido violência na infância. Mais de 176 mil (2,3%) entre os 18 e os 74 anos terão sido vítimas de abusos sexuais.

Chegam cada vez mais denuncias às comissões de protecção de crianças e jovens em risco espalhadas pelo território nacional: 919 comunicações em 2021, 1009 em 2022, 1262 em 2023. Confirmaram-se 152 em 2021, 140 em 2022, 180 em 2023.

“Permanece uma cultura de silêncio”, sublinha a directora da Unicef. “A primeira reacção é desvalorizar, é dizer que a criança está a fantasiar. Até por ser tudo muito difícil de provar, quase sempre vinga a narrativa do agressor. É preciso saber ouvir a criança.”

A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças também está a tentar “abanar consciências”. Agregou dados, testemunhos de vítimas, sinais de alerta e recomendações. Um livro, intitulado O abuso sexual — Proteger as crianças compete a tod@s, foi lançado na sexta-feira e deverá chegar às comissões de protecção de crianças, escolas, organizações de solidariedade social, centros de saúde, hospitais, forças de segurança.

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