Deixem o tempo em paz

O tempo domina as conversas, mas será que precisamos de saber o que vem a seguir? Talvez a verdadeira magia esteja em ser surpreendido, sem saber o que o céu nos reserva.

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A clássica conversa da treta inspira-se sempre no tempo. Não tenho pudores em falar sobre o dia soalheiro de hoje ou na tempestade de ontem. No fundo, é o que todos temos em comum quando ocupamos o mesmo território. O que me aflige, no entanto, é a insistência em nos informarem sobre o que acontecerá nos próximos dias. A previsão do tempo tornou-se um passatempo para muitos, que parecem decorá-la como se fosse um exame de tabuada.

Estas previsões podem vir de qualquer pessoa, e quanto mais tempo livre tiverem, mais detalhadas se tornam. A reforma trouxe à minha vizinha tempo de sobra, e com ele, uma paixão recente pelo IPMA. Agora, a rotina dela começa com uma olhadela no site e, a partir daí, transforma-se numa meteorologista amadora. A previsão, em vez de trazer frieza científica, vem carregada de entusiasmo.

A conversa começa com: “Na segunda-feira vai estar fresquinho, com 12ºC, e o céu vai estar parcialmente nublado, mas nada que impeça o sol de aparecer.” Tento desviar a conversa, mas ela já segue para a previsão da terça-feira: “Na terça, vai estar sol com algumas nuvens, nada de vento forte, e as temperaturas vão subir até aos 15 graus.” E, quando penso que acabou, já está a falar da quarta-feira: “Na quarta, vai estar céu limpo, mas às 16h pode cair a temperatura para 13 graus, com vento moderado vindo de norte, com intensidade de 20 km/h.” Ela diz tudo isto com um sorriso, como se estivesse a partilhar um segredo, mesmo que eu já tenha mudado de assunto e a minha cabeça esteja a vaguear para o abismo do "quem me dera que o tempo fosse só um mistério". Mas não, ela vai continuar a detalhar a previsão como se fosse a coisa mais importante do dia.

Para fugir a boletins meteorológicos deste género, faço um esforço consciente para permitir que o meu cérebro vagueie para outro tópico. Um truque mental para escapar à descrição exacta das nuvens que cobrem o céu, porque trato essa informação como o mel na prateleira: sei que existe, mas é raro precisar.

Saber o tempo para os dias vindouros tem o mesmo encanto de alguém desvendar o final de um filme a meio. O mistério desaparece quando se sabe o que nos espera. A minha aversão à meteorologia talvez tenha origem na minha má relação com os guarda-chuvas quando era criança. Sabia que, se levasse o guarda-chuva, iria perdê-lo. Ficaria no recreio, no chão do autocarro ou à porta da loja de gomas. E muito pior do que levar com chuva, era chegar a casa com uma mãe de braços cruzados, triste e desapontada, ainda com o talão do guarda-chuva na carteira...

Adoro não saber. Acordar, abrir a janela e ser surpreendida pela visão de um céu radiante ou, pelo contrário, por uma manhã de nuvens pesadas, como uma promessa de tempestade iminente. Há um prazer quase infantil em não prever se vai chover ou fazer sol, em vestir-me com o que bem me apetece, sabendo que posso, ou não, estar preparada para o dia. Sem querer saber do tempo, fico com a sensação de que o meu quotidiano é menos rígido, menos preso à tirania do planeamento. O que posso fazer com o aviso de uma chuvada a caminho?

O que mais me surpreende é a maneira como as pessoas se agarram ao tempo, como se ele lhes devesse algo – um raio de sol garantido ou uma chuvada que se atrasa. Parece que, ao tentar prever o que o céu nos reserva, estão a tentar controlar a incerteza da vida, tornando-a mais fácil de digerir. Mas, a sério, deixem o tempo em paz. Que se zangue, que mude de humor, que nos pregue partidas. É um luxo raro, nos dias que correm, deixar que uma trovoada nos apanhe de surpresa.

Eu prefiro remediar. Gosto da sensação de caminhar debaixo do céu, sem certezas absolutas. Na vida comum, tudo é cronometrado, contado, previsto. Seria pedir muito que o tempo ficasse, pelo menos ele, livre de controlo?

Às vezes, imagino que a minha vizinha e outros entusiastas do IPMA irão perceber, um dia, que o tempo não precisa de quem o acompanhe como quem segue uma série da Netflix. Ele existe para ser vivido, não medido. A incerteza do tempo é a última surpresa genuína que nos resta. Que cada dia traga o seu mistério, que o céu faça o que bem entender.

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