Cerca de 1000 médicos e enfermeiros objectores de consciência quanto ao aborto
Inspecção da IGAS em 2023 detectou que nos hospitais públicos manifestaram objecção de consciência 832 profissionais, 533 médicos e 299 enfermeiros. Nos centros de saúde são 161 profissionais.
Cerca de 1000 médicos e enfermeiros do Serviço Nacional de Saúde (SNS) invocaram objecção de consciência relativamente à interrupção voluntária da gravidez (IVG), segundo dados da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
As conclusões de uma inspecção feita pela IGAS em 2023, a que a Lusa teve acesso, indicam que nos hospitais públicos manifestaram objecção de consciência 832 profissionais de saúde, 533 dos quais médicos e 299 enfermeiros.
Já nos centros de saúde, os dados recolhidos pela IGAS apontam para 161 profissionais de saúde objectores de consciência, dos quais 96 médicos e 65 enfermeiros.
A inspecção feita em 2023 teve por objectivo verificar o cumprimento das normas relativas à IVG no Serviço Nacional de Saúde (SNS), designadamente as referentes à objecção de consciência, encaminhamento das mulheres para os serviços competentes dentro dos prazos legais e cumprimento do dever de nomeação de responsável sobre assuntos relativos à interrupção da gravidez.
Pretendeu ainda avaliar o cumprimento das normas relativas à realização da consulta prévia e à garantia do direito à escolha livre do estabelecimento de saúde oficial onde a mulher deseja interromper a gravidez, “dentro dos condicionamentos da rede de referenciação aplicável”.
Esta inspecção da IGAS foi anunciada em Fevereiro do ano passado, depois de o Diário de Notícias ter noticiado que “os hospitais públicos violam lei do aborto”, na sequência de uma investigação em que relatava vários casos em que a lei não foi cumprida.
No mês seguinte, em Março de 2023, em declarações na Comissão Parlamentar de Saúde, o inspector-geral das Actividades em Saúde afirmou que perto de 30% dos hospitais públicos não asseguravam a consulta de IVG, referenciando as mulheres para outras unidades do SNS ou para unidades privadas.
Num parecer emitido a pedido da Assembleia da República que foi divulgado em Outubro, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) defendeu a manutenção do prazo legal de dez semanas de gestação para IVG e da dispensa da obrigatoriedade de dois médicos nos procedimentos por vontade expressa da mulher.
O parecer debruçou-se sobre projectos de lei do Bloco de Esquerda e do PS que propõem o alargamento do prazo legal para a IVG, o fim do período de reflexão, a eliminação da necessidade de ter dois médicos e o direito à objecção de consciência.
Quanto à objecção de consciência, em declarações à Lusa na altura, a presidente do CNECV, Maria do Céu Patrão Neves, disse que a lei é clara nesta matéria e afirmou que “sempre que está em risco a vida ou a saúde da mulher o profissional de saúde não pode invocar a objecção da consciência”.
“O médico pode recusar-se a participar [na IVG], mas não a pode abandonar. É obrigado a referenciar a mulher para um colega com um serviço que garanta o pleno exercício do direito que a mulher tem na legislação”, afirmou.
O alargamento do prazo do aborto tem estado em discussão na Assembleia da República. Fixado nas dez semanas desde 2007, é um dos prazos mais restritivos da Europa e tanto o PS como o BE querem estendê-lo: depois de os socialistas terem apresentado um projecto de lei que propõe a fixação nas 12 semanas, os bloquistas foram mais longe e deram entrada a uma iniciativa que defende as 14 semanas. Contudo, dificilmente os projectos do PS e do BE terão um desfecho mais positivo, visto que o PSD se comprometeu a não fazer alterações à lei da IVG nesta legislatura e o Chega, a IL, o CDS e o PAN já mostraram ser contra mudanças no prazo para o aborto. Isto, ao contrário do PCP e do Livre, que acompanham a intenção.
O Bloco de Esquerda quer alterar a organização do Serviço Nacional de Saúde, de forma a acautelar o acesso à interrupção voluntária da gravidez. Numa proposta de aditamento ao Orçamento do Estado para 2025, os bloquistas defendem que as unidades de saúde devem assegurar que, em todas as escalas, existem profissionais de saúde não objectores de consciência.