Pois é! A tradição já não é o que era e em vez da água-pé que se bebia pelo São Martinho andam agora a dizer-nos que o que devemos é beber sempre vinhos NOLO. É mesmo assim, não é vinho novo, são os vinhos NOLO, que são expressão de um certo conceito de modernidade. Coisas de tecnologia, de influencers e lifestyle, que apregoam novos estilos de vida e tendências de consumo e cujo sucesso até se mede por posts, likes, tweets e outras novidades que mostrem que somos mesmo modernos e usamos a linguagem ajustada. 

E tal como nos bairros mais fashion das grandes capitais agora em Lisboa, no Príncipe Real, já temos igualmente uma loja exclusivamente dedicada a essas bebidas — como a Fugas se apressou também a noticiar —, para as quais os especialistas nas técnicas de comunicação já criaram até uma nova designação: NOLO (no alcohol and low alcohol).

Mas como as modas são sempre inovadoras e em regra até indutoras de avanços sociais e comportamentais, imagina-se a decepção de alguns seguidores da onda NOLO ao constatarem que a novidade fashion e lifestyle não passará, afinal, de um sucedâneo pobre da água-pé que desde antanho se fazia nas nossas adegas. E que a tradição está associada às castanhas e magustos destes dias de São Martinho. Ainda por cima, resultante de um fabrico tecnológico, para retirar ou reduzir o álcool do vinho, que vai ao arrepio dos valores naturais e ambientais associados aos ideais do consumo responsável. Um processo que destrói ou desconstrói o vinho, símbolo sagrado e civilizacional ligado à vida e à natureza que desde sempre acompanhou a evolução do homem.

É que, ao contrário do que acontece para a cerveja sem álcool, que faz uma fermentação controlada com menos leveduras e a baixa temperatura para evitar que entrem em contacto com os açúcares e produzam álcool, para os vinhos NOLO é preciso partir do vinho já feito, que é submetido a um processo de fabrico que lhe vai extrair os compostos voláteis e com eles também o álcool. Mas não basta, segue-se depois um novo processo para devolver os aromas — e nem todos se conseguem recuperar —, sendo em regra ainda acrescentado mosto de uvas, e com isso algum açúcar residual.

Ou seja, um produto final adocicado e que resulta da manipulação tecnológica do vinho, quando para a água-pé basta a simples adição de água ao bagaço do vinho. Tem os aromas e sabor do vinho, baixo ou quase nulo teor de álcool, e decorre de um processo simples e natural. E ainda a grande vantagem de ser tudo muito mais barato!

A pergunta é mesmo de pasmo: porque não se bastam então com a água-pé? Que é até muito melhor e mais barata. Será só porque não lhe podem chamar vinho; Ou será porque é coisa do mundo rural, sem valor fashion ou lifestyle?

Já agora, vale a pena citar João Paulo Martins, o homem que tem fama de saber (quase) tudo sobre vinhos: sabem porque é que há tantos influencers? É porque são ainda muito mais os "parvoencers"!

E o exemplo Esporão

Mas haja esperança, que ao mesmo tempo chegam-nos também pequenos gestos, opções e decisões consistentes, que mostram que nem tudo é fogo-fátuo no mundo do vinho. É o caso de um dos produtores nacionais de maior impacto, a Herdade do Esporão, que com o lançamento do novo Colheita anuncia também um novo avanço no sentido da responsabilidade ambiental.

A partir de agora, todas as garrafas desta gama passam a surgir de gargalo despido, com a rolha visível. Um pequeno passo para a empresa, mas um grande passo para o ambiente, tal como se disse quando o homem pisou pela primeira vez solo lunar. Mas sobretudo uma decisão exemplar, mostrando que, mais do que queixas e reclamações, há também coisas concretas que os produtores podem fazer para melhorar o ecossistema. E nem é só o ambiental, já que a medida tem também impacto financeiro. E grão a grão…

Tratando-se de um adorno despiciente, e também aparentemente inócuo, é verdadeiramente exemplar o impacto ambiental que pode causar. Segundo a Esporão, a supressão das cápsulas das garrafas apenas na categoria Colheita representa para o ambiente uma poupança de cinco toneladas de alumínio e uma redução de quase duas toneladas nas emissões de CO2. Imagine-se o que o mundo poderia melhorar se em todas as garrafas os produtores prescindissem deste ornamento supérfluo.

Vá lá, nem era preciso que fosse em todas as garrafas, bastava que fosse apenas nas gamas de entrada.