Caro leitor
Os últimos dias ficaram marcados na educação por duas notícias, uma boa e outra má. A má: os resultados das provas de aferição voltaram a desiludir. A boa: um estudo internacional coloca os alunos portugueses acima da média no que diz respeito ao domínio da Literacia em Computadores e Informação.
Antes de avançarmos, fique com a definição de “Literacia em Computadores e Informação” tal como ela é usada neste estudo: “Capacidade de utilizar computadores para investigar, criar e comunicar, de modo a participar activamente nas sociedades contemporâneas, seja em casa, na escola, no local de trabalho e na sociedade.”
Estamos a falar de tarefas como inserir uma imagem num documento, escrever e editar um texto ou, a um nível mais sofisticado, ser capaz de identificar formas de verificar a veracidade de informações num artigo retirado da Internet — onde os jovens revelam mais dificuldades.
Ainda assim, o país ocupa o 6.º lugar numa lista de 31 analisados. Globalmente, os alunos de 13/14 anos portugueses obtiveram uma pontuação média de 510 pontos. A média dos países participantes foi 476.
Os jovens que indicaram ter acesso, sempre que necessitam, a um computador para realizarem trabalhos da escola alcançaram melhor desempenho do que os alunos que reportaram nem sempre conseguir utilizar um computador quando dele sentem falta. Os que referiram ter três ou mais computadores em casa tiveram mais 80 pontos do que os alunos que mencionaram não ter nenhum. São resultados do estudo International Computer and Information Literacy Study (ICILS), explicados pela jornalista Cristiana Faria Moreira, aqui.
Dias antes, as notícias sobre os desempenhos dos jovens foram menos animadoras. Os resultados das provas de aferição realizadas no último ano lectivo voltaram a piorar.
Português, no 8.º ano, levanta as maiores preocupações. “Os alunos revelam aprendizagens consideravelmente menos consolidadas do que em anos anteriores, nomeadamente no domínio da leitura e, em geral, nas competências receptivas (compreensão)”, resumiu o Ministério da Educação num comunicado.
É tão grave quanto isto: mais de oito em cada dez alunos do 8.º ano tiveram dificuldades (49,8%) ou não conseguiram mesmo (34,7%) responder às questões no domínio da Leitura e Educação Literária.
“Os resultados não me surpreendem. A maior parte dos alunos tem uma exposição baixa a actividades de leitura e de escrita”, disse João Pedro Aido, vice-presidente da Associação de Professores de Português, numa entrevista à jornalista Marta Sofia Ribeiro. “Precisamos de ter actividades mais complexas nas aulas e precisamos de ter muito mais alunos a ler”, diz o professor.
Estas declarações fazem-nos pensar no que diz o estudo sobre o qual falámos no início desta newsletter: o ICILS nota que quem não tem acesso a computadores em casa quando precisa se sai pior nos testes que avaliam a sua habilidade para os usar.
Ora um estudo do Plano Nacional de Leitura, divulgado em 2022, mostrava que, no que diz respeito ao acesso a literatura, há mais crianças a dizerem que têm Internet ou computadores em casa do que uma estante com livros.
Mais: são os alunos que relatam ter mais livros em casa que mais usam a biblioteca da escola. Que é como quem diz: os que, em teoria, mais precisariam dos livros da escola são os que menos os procuram.
Esse mesmo estudo mostrava ainda que um terço nunca ou raramente viam familiares seus a ler livros. E 17,4% dos alunos do ensino básico e 26,2% do secundário assumiam que, eles próprios, no último ano antes do inquérito, não tinham lido “nenhum livro por prazer”.
O que se tem em casa — livros, computadores, uma secretária para estudar, uma divisão silenciosa, pais escolarizados — continua a ter um peso impressionante nos desempenhos dos jovens, independentemente das literacias analisadas, dos testes feitos, das idades observadas.
É um desafio para as escolas tentar compensar as desvantagens de partida. E sempre que a escola funciona pior, são estes, os que têm menos recursos em casa, os mais prejudicados.
Nota final: amanhã há mais uma greve de educadores, professores e funcionários não-docentes e vamos ter um trabalho de fundo sobre o assunto.
Obrigada por nos acompanhar
Até quinta-feira
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