O número de mulheres que procuram pílulas abortivas está mais elevado do que o habitual, face à eleição de Donald Trump, que, segundo receiam, poderá limitar seriamente o acesso a cuidados reprodutivos.
A Aid Access, um dos maiores fornecedores de pílulas abortivas, relatou ter recebido dez mil pedidos de medicamentos nas 24 horas que se seguiram à eleição do candidato republicano na quarta-feira — cerca de 17 vezes mais do que os 600 pedidos que a organização normalmente recebe num dia.
A Just the Pill, uma organização sem fins lucrativos que prescreve medicamentos abortivos através de telemedicina, disse que 22 dos 125 pedidos de quarta a sexta-feira eram de pessoas que não estão grávidas. É geralmente “uma raridade” alguém pedir esse tipo de “provisão antecipada”, disse Julie Amaon, a directora executiva interina do grupo.
E o Plano C, que fornece informações sobre o acesso a medicamentos abortivos, informou ter recebido 82.200 visitantes no seu site na quarta-feira, em comparação com cerca de 4000 ou 4500 visitantes por dia antes das eleições.
As empresas e organizações de saúde reprodutiva também afirmaram que a procura por contraceptivos de emergência — ou “do dia seguinte” — e de contraceptivos de longa duração, como os dispositivos intra-uterinos e vasectomias, aumentou, mas recusaram-se a fornecer números específicos.
“As pessoas compreendem que a ameaça é muito real e é séria para o acesso ao aborto sob uma Administração Trump”, disse Brittany Fonteno, presidente da Federação Nacional do Aborto, uma associação profissional de prestadores de serviços de aborto. “Acho que as pessoas se sentem extremamente, compreensivelmente, preocupadas com a sua capacidade de obter os cuidados de que precisam."
“O Presidente Trump tem sido consistente no apoio aos direitos dos estados de tomarem decisões sobre o aborto”, disse Karoline Leavitt, porta-voz da equipa de transição de Trump.
Trump tem mudado repetidamente de posição em relação ao aborto, intitulando-se “o Presidente mais pró-vida da história”, mas prometendo vetar uma proibição federal do procedimento. Ele nomeou três juízes do Supremo Tribunal no seu primeiro mandato, abrindo a porta para o tribunal derrubar o direito constitucional ao aborto em Dobbs v. Jackson Women's Health Organization. Médicos antiaborto, entretanto, avançaram com um processo para limitar o acesso à mifepristona, um dos dois medicamentos tomados num determinado intervalo para induzir o aborto. E alguns conservadores de extrema-direita confundiram incorrectamente a contracepção de emergência e os DIU com os medicamentos abortivos.
As mulheres já se abasteceram de fármacos abortivos anteriormente, quando o acesso às pílulas parecia estar em dúvida. Uma investigação pré-publicada no JAMA Internal Medicine em Janeiro afirmava que os pedidos diários de pessoas não grávidas à Aid Access para obterem medicamentos para o aborto, como provisão antecipada, aumentaram quase dez vezes após a fuga de informação, em Maio de 2022, de um projecto de decisão no caso Dobbs. Mulheres com seguro de saúde privado também procuraram cada vez mais contraceptivos reversíveis de acção prolongada, como DIU, depois de Trump ter sido eleito pela primeira vez em 2016.
A Planned Parenthood afirmou que, na quarta-feira, as marcações de vasectomia aumentaram 1200% e as marcações de DIU aumentaram mais de 760%, em comparação com o dia anterior. E a Winx Health, que vende produtos de saúde reprodutiva, informou ter vendido sete vezes mais contraceptivos de emergência na quarta-feira do que em toda a semana anterior. Ambas as organizações se recusaram a partilhar os números concretos.
Sohana Pai, uma estudante de Medicina de 24 anos, de Kansas City, Missouri, nunca usou pílulas anticoncepcionais ou um dispositivo intra-uterino. Mas, na quarta-feira, telefonou para um consultório de ginecologia e obstetrícia e pediu para marcar a próxima consulta disponível para discutir a colocação de um DIU. No dia seguinte, foi ao consultório, escolheu um dispositivo específico e marcou uma consulta para o colocar este mês.
Sohana disse que se preocupa com o Projecto 2025, um plano para a próxima administração republicana que apela a restrições ao aborto — embora não uma proibição nacional. Os contribuidores do plano, publicado pela Heritage Foundation, incluem vários ex-funcionários da Administração Trump. Embora Trump se tenha distanciado da iniciativa, Sohana Pai não quer correr o risco de ter de levar uma gravidez até ao fim quando não se sente financeiramente preparada para criar uma criança.
Ela disse que sabe que colocar um DIU pode ser desconfortável, mas valoriza a autonomia que o dispositivo lhe dará. “É apenas um pouco de dor para, honestamente, durar oito anos, e sinto que vale a pena”, disse Sohana. “Mas é frustrante que eu esteja a ser forçada a dar estes passos.”
Para Briana Schneekloth, de 20 anos, tomar anticoncepcionais de longa duração foi uma das primeiras coisas em que pensou depois de acordar por volta das 6h45 da manhã de quarta-feira e ver um alerta por email de que Trump tinha vencido. Menos de uma hora depois, disse, enviou uma mensagem de texto a uma amiga: “Temos de comprar anticoncepcionais implantados ou DIU.”
É importante para Schneekloth, aluna do primeiro ano da Universidade Temple, em Filadélfia, poder interromper qualquer gravidez inesperada que possa resultar de uma agressão sexual ou de sexo consensual. Embora esteja preocupada com os possíveis efeitos secundários dos contraceptivos hormonais, diz que vale a pena correr o risco. Se Trump restringir o acesso ao aborto ou à contracepção, ela quer estar preparada.
“Parece que agora há um relógio, porque parece que algo pode mudar a qualquer momento após ele tomar posse”, disse Schneekloth. “E é algo que, se eu o fizer, é um plano de protecção a longo prazo.”
Rebecca Gomperts, fundadora da Aid Access, sediada na Europa, disse que a sua organização recebeu tantas encomendas online de medicamentos para o aborto na quarta-feira que o site chegou a estar brevemente indisponível. Mais do que o habitual, esses pedidos foram feitos por pessoas que queriam ter os comprimidos à mão para o caso de engravidarem inesperadamente, disse Gomperts. Acrescentou ainda que os pedidos provinham não só de estados com restrições ao aborto, mas também de estados onde o procedimento é protegido.
“As pessoas já não confiam que as leis dos estados as vão proteger”, disse Gomperts.
Elisa Wells, co-diretora do Plano C, disse acreditar que o aumento que seu site de informações sobre aborto experimentou reflecte o medo de que o Governo de Trump possa instruir a Food and Drug Administration a restringir o envio de medicamentos abortivos pelo correio, entre outras possibilidades.
Grupos antiaborto têm argumentado que uma lei de 1873, a Lei Comstock, deveria ser usada para proibir o envio de pílulas abortivas pelo correio. Trump rejeitou a ideia numa entrevista dada em Agosto à CBS News, mas o vice-presidente eleito, J.D. Vance, pressionou o Departamento de Justiça a aplicar a lei para “encerrar todas as operações de aborto por correspondência”.
“Não sabemos o que esperar, mas acho que temos de planear o pior e garantir que temos sistemas para ajudar as pessoas a aceder a estas pílulas muito seguras e eficazes”, disse Wells.
Fonteno, cuja organização gere uma linha telefónica de informação sobre o aborto, disse que muitas pessoas que telefonaram na semana passada expressaram confusão sobre se o aborto ainda é legal e se as consultas ainda estão disponíveis. Outras estavam preocupadas com o acesso aos métodos contraceptivos, especialmente os de acção prolongada, poder estar em perigo.
Mas ninguém sabe verdadeiramente que acções a Administração Trump irá tomar em relação à saúde reprodutiva, disse Fonteno. Por enquanto, “é muito nebuloso”. “As pessoas estão a ouvir, compreendem que existe uma ameaça real e credível ao acesso ao aborto”, disse. “Estão assustadas, estão confusas, mas querem estar preparadas.”
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post