Nos últimos anos, temos assistido a um debate fervoroso sobre os legados da expansão europeia e do colonialismo, com muitos comentadores a tentar entender e discutir a natureza das relações entre expansão, colonialismo e racismo. Como investigador a estudar o período da expansão marítima europeia, vejo que, muitas vezes, esses conceitos são misturados de forma imprecisa. Em parte, isso deve-se à complexidade histórica dos próprios temas, mas também revela uma desconexão cada vez mais profunda entre a academia e o público em geral.
De início, convém esclarecer que a expansão marítima europeia dos séculos XV e XVI não deve ser confundida com o colonialismo do século XIX. Embora os dois movimentos partilhem semelhanças (a exploração de outros territórios, por exemplo), os seus contextos e motivações históricas são significativamente diferentes.
A expansão não surgiu como um movimento com intenção clara de dominação total de terras e de povos. Na verdade, começou como uma exploração movida pelo desejo de expandir mercados e rotas comerciais. Por exemplo, Portugal, ao longo da costa africana, estabeleceu entrepostos comerciais e alianças, em vez de colónias nos moldes que o colonialismo do século XIX instituiria.
Nos primeiros séculos de expansão, as distinções feitas pelos europeus entre si e os povos encontrados eram mais culturais e religiosas do que raciais, com uma noção de superioridade ligada à "missão civilizadora". O racismo, como um sistema de discriminação baseado na superioridade racial, surge mais tarde, com o tráfico de escravizados africanos para as Américas, onde a cor da pele passou a justificar a escravatura. Esse conceito intensifica-se no colonialismo do século XIX, quando começam a surgir teses pseudocientíficas racistas que reforçavam as políticas de dominação e exploração.
No entanto, o público, de uma forma geral, continua a confundir a expansão marítima com o colonialismo do século XIX e, consequentemente, com o racismo moderno. Esta confusão ocorre porque a história é frequentemente contada de forma simplificada, por vezes tendenciosa e politizada, ignorando as diferenças fundamentais entre esses períodos e fenómenos. A própria narrativa escolar, infelizmente, coloca a expansão, o colonialismo e o racismo numa linha contínua e homogénea, apagando as nuances e, por vezes, reforçando estereótipos simplistas.
A questão central que surge deste cenário é a falta de comunicação eficaz entre a academia e o público. A academia tem continuado centrada em si mesma, publicando artigos e livros que, embora de altíssima qualidade, dificilmente chegam a um público alargado. Há uma resistência a abordar temas com uma linguagem mais acessível, o que cria um abismo entre o conhecimento produzido e a sociedade que dele poderia beneficiar.
A falta de uma compreensão correcta também incentiva a criação de estereótipos que não ajudam o diálogo público. Um exemplo recorrente é a percepção de que todos os navegadores e exploradores dos séculos XV e XVI eram racistas no sentido moderno. Este pensamento ignora o contexto de mentalidades da época e a maneira como os europeus viam o mundo e os povos que encontravam. Com isso, perde-se a oportunidade de compreender as reais motivações e dinâmicas que pautaram esses encontros e o desenvolvimento das relações entre diferentes culturas ao longo dos séculos.
Enquanto historiador, a minha posição é que o esforço para entender a distinção entre a expansão marítima, o colonialismo e o racismo é essencial, não apenas por uma questão de precisão histórica, mas porque esse entendimento nos ajuda a reflectir sobre a própria construção da nossa sociedade. Precisamos de uma divulgação mais ampla e precisa dos estudos históricos, de modo a promover um conhecimento acessível e menos polarizador. É fundamental que a academia perceba a importância de produzir conteúdos acessíveis e que tenha a coragem de intervir no espaço público. Esta comunicação directa com a sociedade é vital para criar um diálogo mais informado e responsável.
Em última análise, a história deve ser uma ponte entre o passado e o presente, não um obstáculo que nos divide em interpretações simplistas e mal-informadas. Reconhecer as diferenças entre os contextos históricos e evitar a confusão entre conceitos como expansão, colonialismo e racismo pode ser o primeiro passo para uma sociedade mais consciente e capaz de lidar com o seu próprio passado de maneira crítica e construtiva.