Uma escola para tirar a economia das favelas da vulnerabilidade

Presente no Web Summit Lisboa, acompanhando a delegação da CUFA, Cleo Sousa é diretora da Escola de Negócios da Favela, que, em apenas dois anos, conta com 40 mil alunos em todo o Brasil.

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Cleo Sousa, que dirige a Escola de Negócios da Favela: transformando vidas Jair Rattner
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Como desenvolver o empreendedorismo e permitir o surgimento de startups nas favelas brasileiras? Foi para responder essa pergunta que surgiu, há dois anos, a Escola de Negócios da Favela, uma iniciativa da Central Única das Favelas (CUFA) em parceria com a Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais.

A proposta da escola de negócios abrange três tipos de atividades a quem quiser ter o seu negócio. “Nós oferecemos formação em empreendedorismo, mentoria gratuita e conexão com investidores para pessoas que vivem em território de favelas e comunidades urbanas”, diz Cleo Sousa, 32 anos, uma dos fundadores e diretora da instituição, que está presente em Portugal para acompanhar a delegação da CUFA no Web Summit.

Segundo Cleo, a origem da escola está na ExpoFavela, uma feira de empreendedorismo e inovação, realizada em 2022, em São Paulo. O evento teve uma rodada de negócios conectando empreendedores com investidores, aceleradoras e incubadoras. “Para quem participou, o problema é que foi só uma vez. Um empreendedor precisa de continuidade para se desenvolver”, avalia, dizendo que foi por isso que surgiu a Escola de Negócios da Favela.

Atualmente, são 40 mil alunos espalhados por todo o Brasil. “A maior parte, cerca de 15 mil, é do Sul e Sudeste, principalmente do Rio de Janeiro, de São Paulo e do Rio Grande do Sul. O resto é dividido pelas outras regiões”, afirma Cleo. A diretora conta que a escola de negócios exigiu um grande investimento. “Foram necessários 2 milhões de reais (3,3 mil euros) para botar esse negócio para rodar”, contabiliza.

Após dois anos de funcionamento da escola, o que se percebe é um baixo índice de fracassos dos empreendimentos. “Em média, 25% dos empreendedores quebraram nesse período”, relata. Ela ressalta que esse percentual é menos de metade da média nacional. “Quando não dá certo uma coisa, tentam outra. Cerca de 90% dos negócios são de base tradicional, é a Dona Maria que faz bolo de pote. E, se o bolo de pote não deu, ela parte para decoração de festas”, exemplifica.

Cleo destaca que apenas 7% dos alunos estão envolvidos com são startups. “Temos duas que têm a inteligência artificial (IA) como base. A Todas por Uma usa IA e um hardware para ajudar mulheres em situação de violência doméstica a pedir ajuda. E a 2050 utiliza realidade aumentada, metaverso e inteligência artificial para criar o Amaro, que usa linguagem da quebrada, fala da forma como as pessoas se identificam”, acrescenta. Por exemplo, ao cumprimentar, o computador diz: “Fala aí, cara, tudo bem?”

Outra startup, a Seja do Mundo, ajuda as pessoas negras no processo de aquisição de cidadania. Faz um rastreio da herança genética para, por exemplo, obter um passaporte europeu. Tem, ainda, a Escola da Diarista. “Num mercado historicamente vulnerabilizado, ela forma a mulher para cobrar seus direitos e ensina técnicas que podem tornar seu serviço mais efetivo”, assinla.

Uma baiana no Rio

A história de Cleo passa por várias partes do Brasil. “Sou uma preta, nascida na favela, em Salvador, que teve a oportunidade de crescer no Rio de Janeiro. Foi na Pavuna, na Baixada. Quando era pequena, queria crescer logo para começar a trabalhar”, conta.

Formou-se em hotelaria, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. “Fui a primeira da minha família a fazer faculdade. Nisso, minha mãe foi fundamental”, reconhece.

Trabalhou nove anos, desde os 17 de idade, em hotéis, até chegar à conclusão de que não queria continuar nessa área. “Sempre fazia o mesmo. Quando comecei, era manter um quarto limpo, com as coisas brilhantes. E, quando era chefe, tinha que verificar se o quarto estava limpo e se as coisas estavam brilhantes, o que, no fundo, acaba por ser a mesma coisa”, relata.

Cleo optou por mudar de área. “Surgiu uma oportunidade, uma empresa que não olhava para o currículo. Colocaram um problema e viram que eu apresentava a melhor solução. Foi uma chance de mudar de vida”, recorda, sobre a passagem para a profissão de consultora na KMG.

Ela passou a trabalhar com projetos de inovação aberta — que envolve parcerias estratégicas, competições de inovação e plataformas colaborativas —, criando novos fluxos de análise de risco para o trabalho com os mercados. Seu próximo passo foi numa empresa de delivery, em que também lidou com inovação aberta.

Em 2022, foi mentora na ExpoFavela, em São Paulo. “Quando terminou, disseram que eu era a pessoa que eles queriam para dirigir a Escola de Negócios. Fui convidada e estou ali até hoje”, diz. Atualmente, Cleo vive em Osasco, no Estado de São Paulo.

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