Tribunal italiano ordena novamente regresso de requerentes de asilo detidos na Albânia

Governo de Giorgia Meloni condena o que diz ser uma “sentença política”, oposição acusa executivo de interferir na separação de poderes.

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Justiça italiana ordenou regresso de sete requerentes de asilo MALTON DIBRA / EPA
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A justiça italiana colocou mais um travão no plano do Governo da primeira-ministra Giorgia Meloni para o envio de requerentes de asilo para a Albânia ao ordenar a transferência de sete homens detidos no país de volta para Itália.

Segundo o jornal britânico The Guardian, os sete requerentes de asilo, cidadãos do Bangladesh e do Egipto, tinham sido levados na sexta-feira para o porto albanês de Shëngjin depois de terem sido resgatados no mar Mediterrâneo, tendo sido depois deixados no centro de migração na cidade de Gjader.

Esta decisão, tomada pelo Tribunal Civil de Roma, é a segunda desfavorável aos planos do Governo italiano, que assinou um acordo com o executivo albanês para enviar requerentes de asilo de países definidos como seguros para centros de migrantes no país até que os seus pedidos de asilo sejam processados. Em Outubro deste ano, as detenções dos primeiros 16 requerentes de asilo enviados para o centro de Gjader, que abriu nesse mês, também não tinham sido validadas pelo tribunal de Roma.

O tribunal, na sentença citada pela televisão italiana RAI, afirma que o Governo de Meloni "adoptou uma interpretação do direito da União Europeia e do acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) de 4 de Outubro de 2024 diferente da seguida por este Tribunal - ao abrigo da legislação nacional anteriormente diferente" ao estabelecer uma lista própria de países seguros que difere das definidas pelo Tribunal, incluindo o Egipto e o Bangladesh, quando o tribunal europeu definiu que só quando o território de um país estiver "totalmente seguro" é que esse país pode ser considerado como tal. Ao não validar as detenções, o tribunal ordenou o regresso a Itália dos requerentes transferidos para a Albânia.

O ministro italiano dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani, criticou e condenou a decisão do tribunal, considerando que "há alguns magistrados que tentam impor a sua linha política ao governo".

"Isto não é aceitável. Respeito todas as decisões do poder judicial, não entro em polémicas e não ofendo ninguém, apenas digo que é uma escolha que vai contra a divisão tripartida de poderes. Não é um magistrado quem decide qual país é seguro porque não o sabe. Porque não lida com essas coisas. Se o Governo, que tem as ferramentas para o fazer, diz que um país é seguro, então algo não está a funcionar", afirmou, citado pela RAI.

Para Matteo Salvini, ministro dos Transportes e líder do partido da direita radical xenófoba Liga, esta é "mais uma sentença política não contra o Governo, mas contra os italianos e a sua segurança" feita pelos tribunais, escreveu na rede social X.

Laura Boldrini, deputada do Partido Democrático, na oposição, e antiga porta-voz do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados no Sul da Europa, considerou que a decisão judicial prova que este é "um sistema com falhas óbvias que provoca disfunções jurídicas, logísticas e humanitárias, bem como um enorme desperdício de recursos económicos desviados das necessidades reais dos italianos e prova do amadorismo deste governo".

Para a deputada do mais representativo partido da oposição, os "ataques aos juízes" feitos pelos ministros mostram que "é o Governo que não respeita a separação de poderes e tenta descarregar a sua incapacidade de gerir o fenómeno migratório nos magistrados".

O especialista em migrações e presidente da Associação de Estudos Jurídicos sobre a Imigração (ASGI, na sigla em italiano), Gianfranco Schiavone, explicou a decisão ao jornal La Repubblica: "Mesmo que a lista de países seguros seja aprovada por decreto, que é legislação primária, a lei europeia sobre asilo continua a ser hierarquicamente superior”.

"O princípio do primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional foi adquirido há 70 anos e é também reconhecido pela nossa Constituição. E implica a obrigação de as autoridades nacionais, incluindo as autoridades judiciais, interpretarem as normas internas, se possível em conformidade com o direito da UE e, caso contrário, não aplicarem o direito nacional incompatível, mesmo que se trate de leis posteriores às normas da UE", acrescentou o especialista.

Em resposta, o Governo, segundo a RAI, planeia comparecer perante o TJUE, para defender o seu caso, argumentando que é da competência de cada Estado-membro estabelecer as listas de países seguros. A maioria dos tribunais chamados a decidir sobre casos ligados a detenções de requerentes de asilo enviou a questão para o tribunal europeu.

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