Arcebispo de Cantuária demite-se devido a escândalo de abusos na Igreja de Inglaterra
Justin Welby estava sob pressão depois da publicação de relatório independente a acusar a liderança anglicana de nada ter feito para investigar caso que remonta à década de 1970.
O arcebispo da Cantuária, Justin Welby, anunciou esta terça-feira a sua demissão na sequência de um relatório que denunciou como a Igreja de Inglaterra encobriu um escândalo de abusos que remonta à década de 1970.
A pressão sobre Welby, o bispo primaz da Igreja de Inglaterra e líder espiritual de 85 milhões de anglicanos em todo o mundo, intensificou-se desde a publicação, na semana passada, de um relatório condenatório sobre o encobrimento dos abusos cometidos por John Smyth, um advogado britânico ligado à igreja, no Reino Unido, no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, e mais tarde no Zimbabwe e na África do Sul.
“Os últimos dias renovaram o meu sentimento de vergonha, há muito sentido e profundo, perante as falhas históricas de protecção da Igreja de Inglaterra”, afirmou Welby numa declaração. “Espero que esta decisão torne clara a seriedade com que a Igreja de Inglaterra compreende a necessidade de mudança e o nosso profundo empenho em criar uma igreja mais segura. Ao deixar o cargo, faço-o com o pesar de todas as vítimas e sobreviventes de abusos”, acrescentou.
Welby renunciou ao seu cargo cinco dias depois da publicação do Relatório Makin, que dá conta de como John Smyth submeteu mais de 100 rapazes e jovens a abusos físicos e sexuais “brutais e horríveis” durante um período de 40 anos. A investigação independente, liderada por Keith Makin, um antigo director dos serviços sociais, descreve Smyth, que era presidente do Iwerne Trust, uma organização que financiava campos de férias cristãos no condado de Dorset, como um dos mais prolíficos abusadores em série na história recente da Igreja de Inglaterra.
“John Smyth foi um terrível abusador de crianças e jovens. O seu abuso era prolífico, brutal e horrível. As suas vítimas foram sujeitas a traumáticos ataques físicos, sexuais, psicológicos e espirituais. O impacto desses abusos é impossível de exagerar e marcou permanentemente a vida das suas vítimas”, lê-se no relatório, que foi encomendado em 2019.
Smyth mudou-se para África em 1984 e continuou a praticar os abusos até perto da sua morte, em 2018, acrescenta o Relatório Makin, que acusa a Igreja de Inglaterra de ter sido alertada ao mais alto nível em 2013, das alegações de abuso sexual nos campos de férias. Welby teve conhecimento das acusações no mesmo ano, meses depois de se ter tornado arcebispo de Cantuária.
Welby pediu desculpas por “falhas e omissões”, mas disse que não tinha “nenhuma ideia ou suspeita” das alegações antes de 2013. O relatório concluiu que isso era improvável, acusando-o de falhar na sua “responsabilidade pessoal e moral” de garantir uma investigação adequada.
Após a demissão de Justin Welby, os procedimentos da Igreja de Inglaterra para a nomeação do seu sucessor exigem que um corpo de clérigos e um presidente, nomeado pelo primeiro-ministro britânico, apresentem dois nomes. Graham Usher, bispo de Norwich, e Guli Francis-Dehqani, bispa de Chelmsford, foram ambos apontados como candidatos a suceder a Welby e a tornar-se no 106.º arcebispo de Cantuária.
Usher é a favor dos direitos dos homossexuais e tem falado abertamente sobre a necessidade de combater as alterações climáticas. Francis-Dehqani, que nasceu no Irão, seria a primeira mulher a ocupar o mais alto cargo da Igreja de Inglaterra.
O mandato de Welby abrangeu uma década de grande agitação, em que foi forçado a navegar por entre disputas relacionadas com direitos dos homossexuais e mulheres clérigas entre igrejas anglicanas liberais, sobretudo na América do Norte e no Reino Unido, e as suas congéneres conservadoras, especialmente em África.
É provável que as igrejas anglicanas de países africanos como o Uganda e a Nigéria acolham com agrado a demissão de Welby, depois de terem dito no ano passado que já não tinham confiança nele.
Os principais desafios do seu sucessor incluirão manter a unidade da comunidade anglicana mundial, cada vez mais fracturada, e tentar inverter o declínio da frequência da igreja, que caiu em um quinto no Reino Unido desde 2019.