Diferença entre a receita e despesa das autarquias estreitou-se. Inflação e salários explicam
Municípios insistem na revisão de uma Lei das Finanças Locais que tem resquícios dos tempos da troika. Governo espera que novos autarcas que entram em 2025 já possam trabalhar com regras diferentes.
Em 2023, os municípios portugueses registaram o nono ano consecutivo com um saldo global positivo. Desde 2014 que as câmaras não registam uma diferença negativa entre a receita efectiva e a despesa efectiva, mas nem tudo são boas notícias. No último ano, apesar de continuar positivo, este indicador passou para 588 milhões de euros, quando em 2022 se tinha fixado em 629 milhões de euros.
Os números constam do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, apresentado nesta terça-feira, em Lisboa, e o vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), Ribau Esteves, focou-se neste indicador para pedir o que muitos outros autarcas têm vindo a defender há anos: uma nova Lei das Finanças Locais.
Ribau Esteves (PSD), que é também presidente da Câmara Municipal de Aveiro, recordou que já o relatório de finanças públicas sobra a administração local em 2023 evidenciava “uma redução muito significativa do excedente orçamental deste sector”, passando de 353 milhões de euros em 2022 para 24 milhões de euros em 2023. No fundo, este indicador explica-se com um aumento da despesa superior ao da receita.
Para isto contribui o aumento dos salários da função pública, a inflação e o aumento dos juros, disse o Ribau Esteves, para de seguida sublinhar a “desadequação” da actual Lei das Finanças Locais.
Não foi o único. Na mesma sessão que decorreu na sede da Ordem dos Contabilistas Certificados, também o presidente da Câmara Municipal de Sintra, Basílio Horta (PS), considerou que a lei "está datada, antiquada, nunca foi revista” e que “ainda está influenciada pela troika” e por uma ideia segundo a qual “as câmaras municipais é que eram a origem da dívida”.
Perante a críticas, o reconhecimento do problema e a promessa de melhores dias: o secretário de Estado das Autarquias Locais, Hernâni Dias, garantiu que o Governo está “empenhadíssimo” na revisão da Lei das Finanças Locais e espera que, em 2025, “após o acto eleitoral [para as autarquias], os novos executivos já tenham oportunidade de trabalhar com regras diferentes”.
O governante, ele próprio ex-autarca de Bragança, disse saber que “há discrepâncias" que é preciso resolver. “O problema financeiro mais evidente é observado nos municípios de mais baixa densidade”, reconheceu, olhando para dados do anuário. É preciso introduzir “mecanismos de correcção”, defendeu.
“Um absurdo tal”
Minutos antes, o autarca de Aveiro tinha incluído essa mesma reivindicação na lista de características que a nova Lei das Finanças Locais deverá ter, e que foi já definida pela ANMP. Os municípios querem maior participação nos impostos do Estado, mas também um só fundo que centralize as transferências da administração central para a local. É que há o Fundo de Equilíbrio Financeiro, o Fundo de Coesão Municipal, bem como o Fundo da Descentralização, lembrou Ribau.
Sobre os tais “mecanismos de correcção” mencionados pelo secretário de Estado, o autarca de Aveiro lembrou que é preciso “desenhar e discutir” formas de distribuição das transferências do Orçamento de Estado para os 308 municípios. Recordou que, na Conta Geral do Estado para 2025, as autarquias acordaram com o Governo, pelo segundo ano consecutivo, uma “adulteração total das regras distributivas inscritas” na actual Lei de Finanças Locais.
A aplicação dessas regras, explicou, “seria de um absurdo tal” que haveria municípios com perdas de até 40% e outros com ganhos a tocar 75%. Isto significa que “os critérios de distribuição não acompanharam as dinâmicas do território e da actividade económica”.
Também os autarcas de Barcelos, Mário Constantino (PSD), e de Marco de Canaveses, Cristina Vieira (PS), presentes no debate com Basílio Horta, defenderam a alteração de lei que define as contas dos municípios. Lamentaram as entropias burocráticas e apontaram o dedo ao que consideram ser as insuficiências do processo de descentralização.
Hernâni Dias disse que o Governo “já tomou medidas para dispensar” projectos, “tanto no Plano de Recuperação e Resiliência como no (programa) Portugal 2030”, da necessidade de visto prévio do tribunal de contas. O documento está a aguardar promulgação do Presidente da República, acrescentou.
A coordenadora do Anuário Financeiro, Maria José Fernandes, mencionou que a “situação económica e financeira” dos municípios portugueses é “globalmente positiva”. “Não contribuem de todo para a dívida pública do governo português”, disse, na apresentação da mais recente edição do Anuário Financeiro dos Municípios Portugueses, uma iniciativa do Centro de Investigação em Contabilidade e Fiscalidade do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave (CICF/IPCA) e com o apoio da Ordem dos Contabilistas Certificados e do Tribunal de Contas.