Associação Plateia lamenta falta de sistema de denúncias de assédio no meio artístico

As relações de poder no contexto de precariedade laboral das profissões da cultura “são um campo fértil de abusos de poder e assédio”, diagnostica a associação.

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A precariedade laboral do meio artístico é um caldo propício à ocorrência de abusos, diz a associação Plateia Nuno Ferreira Santos
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A associação Plateia lamentou esta terça-feira a inexistência de um sistema de denúncias no meio artístico e de "protecção eficaz" das vítimas de assédio, defendendo uma mudança "estrutural", que contribua para a prevenção de casos, e alterações legislativas.

Na semana passada vieram a público, através da partilha de testemunhos nas redes sociais, denúncias de casos de violação, abuso sexual e assédio no meio artístico português, nomeadamente na área do jazz.

Em comunicado, a Plateia — Associação de Profissionais das Artes Cénicas dá conta de que tem acompanhado "o movimento de denúncias de assédio no meio artístico, não só na música como também nas artes performativas", considerando "lamentável que ainda não exista um sistema de denúncias e de protecção eficaz".

"Acreditamos que a mudança tem que ser estrutural, que começa por formações em escolas artísticas até à mudança de mentalidades e práticas, entranhadas numa lógica de sistemas de poder que ainda são estruturais no fazer artístico", defende a associação.

Para a Plateia, é "urgente um sistema de protecção que previna estes acontecimentos, um sistema que proponha mudanças legislativas".

A associação lembra que tem trabalhado "para que esta cultura de assédio laboral, oral e sexual seja exposta, analisada e que se criem ferramentas para que mais ninguém tenha que se expor em denúncias públicas".

E deixa um alerta: "As relações professor-alunes, director-atrizes, encenadores-performers, etc. que se ligam directamente à precariedade do meio, são um campo fértil de abusos de poder e assédio".

A Plateia disse ter conhecimento de "muitos casos" e que recebeu "alguns relatos": "Nas conversas que temos organizado sobre o tema procuramos informar e empoderar através da informação, procurando criar espaços seguros de partilha, garantindo a segurança mental, emocional e profissional de todas as pessoas."

Lamentando "profundamente por todas as pessoas que enfrentaram ou ainda enfrentam essas situações", a associação reafirma o seu empenho "para que exista uma mudança de paradigma no sector".

Como o PÚBLICO avançou, foram identificadas 79 queixas — "relativas a 18 pessoas sobretudo do meio musical, de crimes, do assédio sexual de menores à violação, passando pelo stalking (perseguição) e pelo stealthing (não-utilização de preservativo sem consentimento do/a parceiro/a)" em emails de denúncia criados na sequência da acusação da DJ Liliana Cunha, conhecida no meio artístico como Tágide, contra o pianista de jazz João Pedro Coelho.

Liliana Cunha fez a denúncia nas redes sociais na semana passada, tendo inicialmente identificado o alegado agressor apenas pelo primeiro nome, dizendo tratar-se de um pianista de jazz de Lisboa. Mais tarde acabou por revelar tratar-se de João Pedro Coelho, músico e antigo professor da escola do Hot Clube de Portugal.

O pianista refutou as acusações, reclamando "total inocência", numa publicação partilhada na sua conta no Instagram. "Para reposição da verdade, e reparação da ofensa ao meu bom nome, usarei os meios legais que estão ao meu alcance", escreveu.

Entretanto, o Hot Clube de Portugal esclareceu, em comunicado, que João Pedro Coelho "cessou funções como professor da escola do Hot Clube no ano lectivo 2022/23, não sendo associado", referindo que "o caso reportado não está relacionado com a instituição".

No entanto, a direcção do Hot Clube revelou terem sido identificadas "duas situações de assédio no passado ano lectivo de 2021/22", que levaram "ao afastamento dos professores em causa".

"Como consequência deste processo foi criado um código de conduta para a comunidade escolar, assim como um Gabinete de Apoio ao Aluno e um canal de denúncia", referiu.

A direcção da escola disse ainda não ter conhecimento de nenhuma queixa ou denúncia em curso, "estando disponível para actuar de imediato em conformidade com as informações que chegarem".