Descativação das taxas dos viticultores do Douro em 2025 liberta 2,7 milhões para a promoção dos vinhos
O ministro da Agricultura revelou ao PÚBLICO que, desde 2018, há “mais de 11 milhões de euros” de taxas cativadas pelo Ministério das Finanças. A partir de 2025, “será tudo descativado”.
Todos os anos, entre 1 de Outubro e 30 de Novembro, os agentes económicos que tenham colhido uvas e/ou tenham produzido mosto/vinho na Região Demarcada do Douro (RDD) estão obrigados a entregar a respectiva declaração de colheita e produção (DCP). Fazem-no ao Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), através do Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto (IVDP).
Ao IVDP cabe receber e controlar essas DCP de mostos e vinhos susceptíveis de obter as denominações de origem (DO) Porto e Douro ou a indicação geográfica (IG) Duriense e das aguardentes destinadas à sua elaboração. Cabe-lhe ainda controlar as existências e movimentos dos produtos vínicos na RDD, abrindo e movimentando as respectivas contas correntes, controlando os registos com base nas declarações de produção, de existências, de movimentos e de introdução no consumo.
A novidade que consta da circular n.º 04/2024, divulgada em 2 de Outubro pelo IVDP, é que, “por solicitação do IVV”, a partir desta campanha, os viticultores que vendam uvas passam a ser inquiridos quanto ao preço da uva, em euros e por quilo. A mesma obrigação é válida para as restantes regiões vitivinícolas. A nota informativa n.º 14/2024 do IVV é bem clara: “Nesta campanha, os viticultores que vendam uvas são inquiridos quanto ao preço da uva em euros por kg (€/kg)”.
Trata-se de uma “informação confidencial” que passa a ser transmitida ao IVV, que “serve exclusivamente para fins estatísticos”, mas que tem um interesse mais abrangente. Visa dar corpo ao prometido “instituto nacional de estatística para o vinho” que o Ministério da Agricultura prometeu criar, com vista a acompanhar a produção e os preços dos vinhos em Portugal.
Uma novidade avançada ao PÚBLICO a meados de Julho, mal foi conhecida a decisão de atribuição, pela Comissão Europeia, de um apoio de 15 milhões de euros para mais uma operação de destilação de crise, com vista a ajudar os viticultores portugueses, a braços com elevados stocks de vinho por escoar.
À data, José Manuel Fernandes falou de “uma espécie de observatório”, que conterá “informação estatística” sobre a produção vitivinícola em Portugal, por regiões, incluindo sobre “os stocks, as vendas e os preços” e que tem como objectivo “dar a conhecer informação útil aos agentes do sector”, mas, ao mesmo tempo, “auxiliar o Governo na tomada de decisões políticas”.
Nesta sexta-feira, no Peso da Régua, à margem de um colóquio sobre o interprofissionalismo vitivinícola, promovido pela Associação dos Viticultores Profissionais do Douro (Prodouro), o ministro da Agricultura não se quis comprometer com o prazo inicialmente estipulado — “até ao final do ano” —, mas garantiu que estão “a trabalhar no observatório”.
Observatório: saber o que existe e os preços
“No próximo mês vamos reunir a PARCA [Plataforma de Acompanhamento das Relações na Cadeia Agroalimentar], porque é importante que se tenha, não só no vinho como noutros domínios, uma informação que seja praticamente online do que se passa”, adiantou o governante.
“Neste observatório, vamos precisar da articulação do trabalho das CVR [comissões de viticultura regional] e de todos os que trabalham neste domínio para que, com um clique, se saiba o que está a entrar, o que existe, os preços, como é que podemos actuar, o que é absolutamente fundamental”, disse ainda José Manuel Fernandes. “Não sei se conseguiremos ter esse observatório ainda este ano, mas estamos a trabalhar nele e mas mais vale esperar mais um mês do que termos uma proposta só para servir um objectivo de calendário”.
Cativações em 2025 superam 2,7 milhões
Por cada declaração de colheita e produção, os viticultores estão obrigados ao pagamento de taxas de coordenação e controlo ao IVV, que incidem sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos no território nacional, incluindo os expedidos e exportados. E também há taxas sobre os vinhos e produtos vínicos produzidos noutros países e comercializados em Portugal.
Na Região Demarcada do Douro, os viticultores, em função dos diferentes produtos vínicos, estão ainda obrigados ao pagamento de taxas ao IVDP sobre o vinho do Porto, o vinho DOC Douro, a certificação do vinho licoroso DO Douro, a aguardente destinada beneficiação e tratamento vinho generoso, a certificação de origem de mostos declarados para obtenção DO Porto, entre várias outras.
Só em 2025, “o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) prevê cobrar 11,5 milhões de euros em taxas”, revelou ao PÚBLICO o ministro da Agricultura. José Manuel Fernandes adiantou ainda que “a cativação é de 12,5%”, de acordo com a proposta do Orçamento do Estado para 2025”, “o que implica uma cativação de 1.437.500 euros”.
Por sua vez, “o IVDP prevê cobrar 10,4 milhões de euros em taxas. A cativação é de 12,5% de acordo com a proposta do OE2025, o que implica uma cativação de 1.300.000 euros”, avança ainda o ministro da Agricultura, que tutela estes dois institutos.
Mas não vai haver mais cativação de verbas. José Manuel Fernandes deu a garantia de que, “logo depois da entrada em vigor do Orçamento de Estado” para 2025, irá “proceder à descativação de verbas do IVDP e do IVV”. E haverá “uma resolução de Conselho de Ministros para abranger o ano 2026”, de modo a as verbas destinadas à promoção dos vinhos do Douro e do Porto “possam ser usadas de forma plurianual”, dando “previsibilidade ao IVDP”.
“Este ano já demos início às descativações. Foram quase cinco milhões”, no caso do IVDP, disse o governante. No caso do IVV, “desde 2018 há mais de 11 milhões de euros” referentes a taxas pagas pelos viticultores cativadas pelo Ministério das Finanças, mas “não houve descativações de verbas porque não foi necessário para a promoção [dos vinhos] ou outras acções”. Agora, “no próximo ano será, será tudo descativado”.
Nova rotulagem de origem até ao fim do ano
Entretanto, no Douro, o IVDP está em processo de consulta aos viticultores, para que indiquem, até 15 de Novembro, as parcelas não vindimadas este ano. Essa “avaliação detalhada” das uvas não colhidas na região “é absolutamente essencial para depois podermos tomar decisões”, disse o ministro da Agricultura nesta sexta-feira, no Peso da Régua.
Em paralelo, estão “em circulação” e discussão “dois decretos-lei” sobre a rotulagem de origem, que visa informar melhor os consumidores sobre a proveniência geográfica dos vinhos, “para que as pessoas saibam o que estão a consumir”. O presidente da Prodouro, ouvido pelo PÚBLICO, não podia concordar mais. “Isto é para que, claramente, fique no rótulo o local da produção e para que não haja nenhum engano e haja o máximo de transparência quando as pessoas estão a consumir”.
Casa do Douro: “um sinal de esperança”
Questionado ainda sobre as eleições para a Casa do Douro, agendadas para 21 de Dezembro, o presidente da Prodouro fala com entusiasmo. “Os agricultores olham para a nova Casa do Douro como um sinal de esperança. É uma nova organização, uma nova visão, que permite uma representatividade plena dos agricultores. Somos 18 mil, somos muitos, o actual modelo privado [da Casa do Douro] não funcionou porque as pessoas, livremente, têm muita dificuldade em inscrever-se. Eu represento uma associação [Prodouro] de inscrição livre e estou perfeitamente à vontade para falar nisso”, disse Rui Soares ao PÚBLICO.
Diz, pois, que é “muito, muito importante” haver uma “organização que represente em pleno os 18 mil agricultores” da RDD. Por outro lado, “esta é uma organização que “tem competências, nomeadamente em relação à gestão do cadastro que, para nós, é fundamental”, frisa o presidente da Prodouro, lamentando que essa atribuição tenha sido atribuída à “antiga Casa do Douro e transitado para o IVDP, mas que não vingou”. Para a Prodouro, é necessário que a Casa do Douro “tenha o controlo e a garantia da produção através de um cadastro exequível e fiel das nossas vinhas”.
E também com vista ao “reforço da fiscalização da entrada de uvas e vinhos de forma ilegal na região do Douro”, que continua a ser “uma preocupação”, segundo a Prodouro. Na sua intervenção no Peso da Régua, Rui Soares foi cáustico.
“A situação do excesso de stock de vinho é uma preocupação real que precisa ser abordada de maneira eficaz. O IVDP impôs, em Maio deste ano, restrições à entrada de vinhos de fora da região, que, apesar de tardias, finalmente estão em vigor. E as restantes regiões do país, até quando vão continuar a ignorar o problema?”, perguntou Rui Soares, dizendo que é “muito importante que as entidades nacionais se envolvam e tomem medidas efectivas, assim como as entidades fiscalizadoras, como a ASAE e o IVDP”.
Confrontado com os reptos da Prodouro, o ministro da Agricultura assume que é preciso “reforçar elementos nestas áreas”, nomeadamente “ao nível do IVDP e da ASAE e da fiscalização neste domínio”. Ao PÚBLICO, José Manuel Fernandes revelou ainda que “também a Autoridade Tributária está agora a trabalhar no cruzamento de informação sobre o sector”.