A sexualidade e a escola: entre a necessidade e o tabu

Ao adotarem uma abordagem científica, inclusiva e respeitosa, as escolas têm a chance de formar cidadãos conscientes, que entendem a importância de cuidar de si mesmos e dos outros.

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Na coluna desta semana, decidi abordar um tema complexo e ainda pouco discutido, mas de suma importância para o desenvolvimento saudável de jovens e adolescentes: a educação sexual nas escolas. Esse assunto vem sendo alvo de debates intensos, ultrapassando a esfera educacional e ganhando espaço no campo político, em que, muitas vezes, é tratado com argumentos vazios e infundados. Para enriquecer essa discussão, convidei o antropólogo Marcos Moura, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS/ULisboa), para compartilhar sua visão sobre a importância da abordagem da sexualidade nas escolas.

Apesar de estar previsto nas diretrizes da Direção-Geral da Educação, que orienta as escolas públicas e privadas a tratar o tema em sala de aula, ainda há resistência por parte de alguns grupos. Esse receio, muitas vezes, baseia-se em uma visão limitada do que a educação sexual representa. Como aponta Moura, a sexualidade não é apenas uma questão biológica, mas um aspecto fundamental do desenvolvimento humano, que abrange questões de saúde, autoestima, respeito e empatia.

Educação sexual: saúde, respeito e autoconhecimento

Marcos Moura destaca que a educação sexual nas escolas vai muito além de discutir a prevenção de doenças e a reprodução. "É uma oportunidade para ensinar sobre consentimento, identidade de gênero, orientação sexual, respeito ao próprio corpo e ao corpo dos outros. Esses temas não são apenas técnicos, envolvem valores fundamentais que ajudam os jovens a desenvolverem relacionamentos saudáveis e responsáveis", explica o antropólogo.

Além disso, fornecer um espaço seguro para abordar essas questões contribui para que muitos adolescentes obtenham informações corretas e confiáveis, em vez de depender de fontes incertas. Isso é crucial, considerando que, atualmente, o acesso à informação é abundante, mas nem sempre preciso. Com o conhecimento adequado, os estudantes têm mais ferramentas para tomar decisões conscientes e se protegerem, promovendo não apenas a saúde, mas também o respeito às diferenças.

Impactos da educação sexual na vida dos jovens

A experiência de países e regiões que implementaram programas robustos de educação sexual nas escolas demonstra impactos positivos significativos. Entre os resultados mais notáveis estão a redução da gravidez na adolescência, a diminuição das infecções sexualmente transmissíveis (IST), a prevenção de abusos e o fortalecimento de ambientes inclusivos. Como observa Moura, "uma escola que se dispõe a falar de sexualidade de forma aberta e inclusiva está, na prática, empoderando seus alunos para que se tornem indivíduos informados, seguros e capazes de fazer escolhas saudáveis".

Esses programas de educação sexual também ajudam a desmistificar preconceitos, estabelecendo um diálogo que contribui para a construção de uma sociedade mais tolerante e plural. Como afirma Moura, "a escola, ao incluir essas questões no currículo, colabora para que os jovens cresçam com uma visão ampliada e realista da sexualidade, livre de estigmas que, no fim, só promovem a desinformação e o medo".

O papel da escola na quebra de tabus

Os argumentos contra a educação sexual nas escolas, muitas vezes, baseiam-se na ideia de que abordar esses temas poderia "incentivar" a sexualidade precoce, mas diversos estudos apontam justamente o oposto. O acesso a informações corretas tem, na verdade, adiado o início da vida sexual dos jovens, pois eles se sentem mais seguros e informados para tomar suas próprias decisões.

Moura acredita que a resistência a esse tipo de ensino está enraizada em tabus que persistem na sociedade e que são alimentados pela falta de informação ou pela disseminação de fake news. "A educação sexual tem o poder de derrubar esses tabus, e é justamente o desconhecimento que leva à insegurança e ao preconceito. Quanto mais informados os jovens forem, mais preparados estarão para cuidar de si e para respeitar o próximo", afirma ele.

Uma educação que forma cidadãos

Ao adotarem uma abordagem científica, inclusiva e respeitosa, as escolas têm a chance de formar cidadãos conscientes, que entendem a importância de cuidar de si mesmos e dos outros. A educação sexual, quando feita de maneira sensível e adaptada às diferentes fases de desenvolvimento, transforma-se em um pilar fundamental para a construção de uma sociedade mais saudável e informada.

"A resistência que vemos hoje é o reflexo de uma visão ultrapassada, que já não condiz com as necessidades de uma geração que tem acesso a múltiplas fontes de informação, mas que precisa de orientação para entender e processar o que vê e ouve", finaliza Marcos Moura. "Educar para a sexualidade é educar para a vida e para a cidadania".

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