Fenprof “não hesitará em ir para a rua com professores” pelo Estatuto da Carreira Docente

Organização sindical quer novo Estatuto da Carreira Docente em vigor já no próximo ano lectivo e critica a proposta de orçamento apresentada, considerando que mantém “o sector em subfinanciamento”.

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O secretário-geral da Fenprof, Mário Nogueira MIGUEL A. LOPES/Lusa
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A Federação Nacional dos Professores (Fenprof) apresentou três exigências relativas às negociações do novo Estatuto da Carreira Docentes, garantindo que "não hesitará em ir para a rua" caso essas reivindicações sejam ignoradas.

"Não vamos decidir já nenhuma acção concreta, mas a Fenprof não hesitará em ir para a rua com os professores", disse Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, durante a conferência de imprensa realizada esta sexta-feira em Lisboa para apresentar a sua posição sobre o processo negocial para a revisão do Estatuto da Carreira Docente (ECD), que começou no mês passado.

Existem três condições que a Fenprof quer ver acauteladas já na próxima reunião com responsáveis do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI).

"Não aceitaremos que o ECD passe a integrar uma lei, em vez de se manter como um decreto-lei", afirmou Mário Nogueira, explicando que o Estatuto da Carreira Docente "vale o mesmo que um contrato de trabalho para os professores do privado".

O ECD regula a carreira, define salários, horários de trabalho, férias ou aposentações, tudo matérias e regras que têm obrigatoriamente de ser negociadas com os professores, através dos seus sindicatos.

No entanto, se o ECD passasse a ser lei, "a autoridade para rever, revogar ou alterar qualquer matéria passaria a ser da Assembleia da República, um órgão sem competências negociais. Sendo lei, o ECD ficaria sujeito às conjunturas eleitorais e aos resultados de quem chega ao Governo", alertou, sublinhando que a Fenprof está "completamente em desacordo" com esta ideia da tutela.

Questionando se a ideia era a de "o senhor ministro livrar-se de futuras negociações", Mário Nogueira garantiu que tal é ilegal, porque "não se pode substituir a negociação colectiva": "Se em vez de negociar com sindicatos e professores, quer negociar com outros partidos na Assembleia da República para não ter problemas, pode ouvir quem quiser, mas isto é ilegal".

As outras duas reivindicações da Fenprof prendem-se com os prazos negociais e de entrada em vigor do novo diploma, que a organização sindical pretende que sejam muito mais céleres.

A Fenprof quer que as negociações terminem até ao final do actual ano lectivo, ou seja, algures entre finais de Junho e inícios de Julho, para que o diploma possa entrar em vigor em Setembro de 2025, no arranque do próximo ano lectivo.

No entanto, segundo as contas da Fenprof com base nas declarações da tutela, o novo "ECD só deverá entrar em vigor em 2027", uma vez que as negociações só terminam no final do ano, seguindo o diploma para a Assembleia da República em Dezembro de 2025.

Nessa altura, segundo Mário Nogueira, "o Orçamento do Estado (OE) para 2026 já foi aprovado sem incluir as verbas para o ECD, por isso só será viável no OE de 2027 e isto não é aceitável".

A Fenprof vai entregar, na próxima segunda-feira, a sua proposta ao MECI, pedindo que o diploma entre em vigor em Setembro de 2025 e se mantenha como decreto-lei.

"Se estes aspectos não forem considerados pelo ministério, a Fenprof não assinará o protocolo negocial, mas não deixará de participar nas negociações, porque tem essa legitimidade", disse Mário Nogueira, garantindo que não haverá acordo por parte da maior federação de docentes.

A Fenprof vai também lançar um abaixo-assinado para que os professores possam subscrever e reafirmar as posições anunciadas e que advêm das reuniões do Secretariado Nacional e do Conselho Nacional da Fenprof, que decorreram esta quinta e sexta-feira, respectivamente.

A revisão do ECD tem sido apontado pelo ministro Fernando Alexandre como um dos instrumentos para valorizar a carreira e assim conseguir atrair mais docentes para as escolas, um dos maiores problemas com que se deparam as escolas do ensino básico e secundário do país, em especial as localizadas nas zonas da Grande Lisboa, Alentejo e Algarve.

Críticas ao orçamento para a Educação

A organização sindical deixa ainda críticas ao ministro da Educação pelas contas que apresentou com os docentes que chegarão ao topo da carreira com a recuperação do tempo de serviço e à proposta de Orçamento do Estado para 2025, que considerou "manter o sector em subfinanciamento".

O ministro da Educação esteve na terça-feira no Parlamento numa audição sobre a proposta de Orçamento do Estado para 2025 (OE2025), tendo anunciado que, no Verão de 2025, "66% dos professores chegam ao topo da carreira", graças ao processo de recuperação do tempo de serviço congelado.

Na verdade, o gráfico apresentado somava todos os docentes que se concentrarão entre o 7.º e o 10.º escalão. "Mas chama topo de carreira do 7.º ao 10.º escalões? No topo de carreira estarão 21,8% dos professores", disse Mário Nogueira, referindo-se ao valor correspondente ao 10.º e último escalão.

O secretário-geral fez ainda um balanço da proposta do Orçamento do Estado para 2025, considerando que "se mantém o subfinanciamento" do ensino até ao 12.º ano, que no próximo ano valerá "2,7% do PIB, ou seja, longe do que seria uma aproximação progressiva aos 6% do PIB".

O documento do Governo mostra que o OE2025 terá uma despesa total consolidada de 7,47 mil milhões de euros, ou seja, mais 6,8% do que no ano passado.

Mas a Fenprof vê um "OE de estagnação e sem investimento", considerando que o plano se "resume a obras em curso e não a novas obras", nomeadamente no que toca à requalificação de escolas, e "no âmbito do PRR, limita-se à chamada digitalização".

A Fenprof vai entregar seis propostas aos grupos parlamentares, que vão desde a criação de uma rede pública de creches, o reforço da acção social ou a garantia que os alunos estrangeiros serão devidamente apoiados.

Aos jornalistas, Mário Nogueira defendeu que são precisas verbas para criar uma rede pública de creches e para abrir mais salas em jardim-de-infância, "de forma a garantir a universalização da educação a partir dos três anos".

Sobre o reforço da acção social escolar no básico e no secundário, "ficou esquecido" neste OE: "Fala-se de qualquer coisa para o ensino superior, mas no básico e secundário é esquecido", lamentou.

Já sobre a verba de 9,5 milhões de euros para apoio à integração de imigrantes, Mário Nogueira considerou-a "manifestamente insuficiente", tendo em conta que estes alunos já representam cerca de 14% do total de alunos em Portugal.

Nesse sentido, será preciso garantir "condições para que estas crianças e jovens possam não ser discriminados por não acompanhar ou dominar a língua", alertou, sublinhando que as necessidades vão muito para além da aprendizagem da língua, sendo precisos "desde mediadores a outros técnicos nas escolas para garantir a inclusão".

Outra das reivindicações está relacionada com a revisão do Estatuto da Carreia Docente, que começou no mês passado e que os professores querem que esteja concluída a tempo de entrar em vigor no próximo ano lectivo, ou seja, em Setembro de 2025.

Para poder ser aplicada em Setembro, "o OE 2025 tem de prever as verbas para esses últimos quatro meses do ano", explicou o secretário-geral da Fenprof, que quer ver acautelada essa situação.

Os professores também querem que o próximo OE aumente a verba destinada aos professores deslocados, para que possam contemplar não apenas os que ficam nas 234 escolas identificadas como tendo mais dificuldades em contratar, mas em todas.

Para a Fenprof, é preciso corrigir o diploma e alargar o apoio extraordinário à deslocação a todos os professores que aceitam dar aulas longe de casa, que são precisas verbas que acautelem os novos grupos de recrutamento, assim como mais dinheiro que permita às escolas contratar mais profissionais e técnicos especializados, designadamente no âmbito da educação inclusiva.